


ŚRĪKULA
TANTRA, YOGA & CABALÁ CRIOULA
Certa vez levei até Pombagira uma inquietação acerca de meu passado, de minha ancestralidade, no que ela serenamente me transmitiu: calma meu filho, o passado sempre dá um jeito de te reencontrar. E é isso: este livro que tem em mãos é o passado me reencontrando. A ideia para escrever esse tomo veio após a publicação de uma fotografia que minha esposa tirou quando eu estava fazendo uma sessão de yoga matinal. Sobre o mat, me alongando, ela tirou a foto. Poucas horas depois publiquei a fotografia na rede social, onde recebi a seguinte mensagem de um seguidor: Táta como você «concilia» yoga e quimbanda? Sério que já imaginei um mat na frente do assentamento. Embora o seguidor tenha achado graça no que imaginou, ele o fez da maneira correta: o kimbanda de pernas cruzadas na frente de seu assentamento cantando, bebendo, fumando, e reverenciando seu Exu tutelar. Essa imagem, no entanto, tem pouca diferença com a imagem de um yogī medieval reverenciando em pūjā o Senhor Śiva na Caxemira. Essa é a imagem que inspira a capa deste livro, Śrīkula.
Então, como combino yoga e Quimbanda? A visão popular do yoga do bom mocismo e do yogī gratiluz é um produto – no sentido comercial-capitalista do termo – da cultura moderna ocidental. É uma visão produzida, i.e. embalada e vendida a partir do Séc. XIX. Na Idade Média – e bem antes disso na verdade – os yogīs eram considerados feiticeiros itinerantes, taumaturgos perigosos que se valiam de seus poderes para conquistarem seus desejos e busca pelo poder, envolvidos com possessão extática, necromancia e convocação de demônios (yakṣas, rākṣasas, pretas etc.). E isso não mudou. Na Índia profunda, como propõe acadêmicos como Jim Fitzgerald, Véronique Boullier e, no que concerne ao nosso tema, Vijay Smith em seu estudo sobre os guerreiros ascetas de 2006, a imagética cultural do yogī trata-se de um sujeito sinistro, a margem e pária da sociedade. Ainda hoje nas comunidades do Sul e Norte da Índia as mães dizem a suas crianças: não faça isso ou aquilo senão o yogī passa e te leva embora. No imaginário popular indiano, o yogī é um feiticeiro itinerante que oferece senão perigo, pelo menos a suspeita onde quer que passe.
O que yoga de verdade, então, tem a ver com Quimbanda? Te respondo: uma vida de goécia! O yogī no imaginário cultural indiano não é diferente do gōes grego na alvorada da pólis. Como demonstrei em minhas obras anteriores, o Daemonium: a Quimbanda & a Nova Síntese da Magia e Wanga: o Segredo do Diabo, ambos de 2024, não existe diferença entre o que um kimbanda faz hoje no Brasil para o que o gōes fazia na Grécia do Séc. V a.E.C.: feitiçaria, necromancia. O yogī indiano compartilha da mesma repulsa social e, de igual modo, é temido onde passa. Assim como o kimbanda no Brasil ou o gōes na Grécia antiga, o yogī na Índia também é um manganeumata das sombras.


ŚRĪKULA: TANTRA, YOGA & CABALÁ CRIOULA


A LEI DO LINGAM-YONI
Aleister Crowley em seu comentário acerca de O Livro das Mentiras, escrito no mesmo período em que ele compôs a Missa Gnóstica, disse que que o universo é encapsulado pela lei do Lingam-Yoni. Ao Fazê-lo, Crowley implicitamente está nos dizendo que todo o Cosmos opera por meio da interação de uma díada representada na forma das polaridades masculino e feminino, o yin-yang, o Sol e a Lua, o phallus e a kteis, o homem e a mulher, o positivo e o negativo.
Na cosmovisão da Quimbanda essa interação-díada é representada por um Senhor Inefável, que é Beelzebuth, e sua consorte, a Senhora Ashtaroth. A hierogamia destas duas forças hipostáticas cria o Cosmos e a vida no Cosmos. Enquanto que Ashtaroth representa o Espaço, Beelzebuth representa o Movimento (que é o próprio Tempo), porque o movimento só ocorre com a manifestação do tempo. Portanto, Ashtaroth e Beelzebuth são o Espaço-Tempo, um continuum que subjaz como força potencial a criação de todo o Cosmos.
Dessa hierogamia nasce Exu, que representa o princípio ancestral masculino, e Pombagira, que representa o princípio ancestral feminino. Como prncípios, Exu é o pai da vida e Pombagira a mãe de todos. Juntos eles são Energia-e-Matéria, representando ou melhor, constituindo, a força manifesta do Cosmos.
