KALUNGA
Teurgia & Cabalá Crioula
Uma ideia fundamental que subjaz como pano de fundo das pontes que construí entre as religiões e cultos de mistérios da Antiguidade e a Quimbanda nos últimos dois volumes que compõem a série Daemonium, é que as técnicas de feitiçaria (goÄ“teia) e de magia (mageia) são universais. Elas mudam pouca coisa de uma cultura para outra no contexto dos cultos ao longo da história religiosa do homem. Na medida em que as culturas se encontram e se miscigenam, as técnicas mágico-religiosas se adaptam, se reconfiguram e se atualizam. No segundo volume do Daemonium eu apresento o racional (ou o fundamento) por trás do sacrifício animal na Quimbanda através das argumentações de Jâmblico de Cálcis (245-325 d.C.) acerca do mesmo tema, a imolação ritual de animais na teurgia: não são os espíritos – i.e. os daimones no contexto grego ou os Gangas no contexto da Quimbanda – que efetivamente necessitam do sacrifício animal; somos nós, seres humanos encarnados no reino da geração, que necessitamos. E no livro Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia, eu dedico um capítulo ao tema do sacrifício no contexto das religiões grega e romana, e também no contexto da Quimbanda, porque o sacrifício é uma ferramenta religiosa, litúrgica, teúrgica, mágica e soteriológica utilizada por cultos e religiões de culturas diversas desde o Mundo Antigo até os dias de hoje, e pelos mesmos motivos.
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As técnicas de magia e feitiçaria são universais e mudam pouca coisa de uma cultura para outra. Pensando nisso será possível encontrar semelhanças e estabelecer pontes entre a utilização de diversas tecnologias mágicas (como os sacrifícios e as moradas de poder dos espíritos) usadas na Quimbanda e presentes também em outros cultos da Antiguidade como a teurgia e o hermetismo? Esse é o tema central da ontologia Kalunga: Teurgia & Cabalá Crioula, que ainda está no prelo.
KALUNGA: TEURGIA & CABALÁ CRIOULA
TUDO É KALUNGA
A localização do reino dos mortos era desconhecida. Acreditava-se que eles residiam no Submundo abaixo das florestas e dos rios. Esses locais eram zonas de poder, portais de conexão com os mortos, de modo que qualquer rio ou oceano, qualquer área arborizada e qualquer espaço subterrâneo, tratava-se de um acesso ao reino dos mortos. Essa ideia congolesa, de que o reino dos mortos está em toda parte, influenciou profundamente o entendimento dos reinos na Quimbanda: se tudo é kalunga, na Quimbanda ela tornou-se uma geografia oculta de poder mágico, fracionada em reinos, classificados segundo a qualidade de seu moyo, e organizados de modo a alocar os Povos de Exu.