O CRUZEIRO DAS ALMAS
- Fernando Liguori
- 16 de mar.
- 7 min de leitura

Roteiro do vídeo no YouTube.
Por Táta Nganga Kamuxinzela
@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago
Tive a ideia de fazer essa série de vídeos sobre os fundamentos da Quimbanda a partir de outro roteiro de vídeo que estou preparando para vocês, que se chamará Quem está lá? A ideia é: aí na sua casa, no seu altar, seja paganismo, thelema, ou culturas da macumba, quem está morando e comendo lá? Em outras palavras, como ter certeza de que a Hécate que você cultua no altar é de verdade a deusa Hécate? Como ter certeza de que o Exu que está comento e morando aí na sua firmeza é, de fato, um Exu?
Escrevendo o material para responder essas questões, notei que, primeiro, deveria contextualizar os fundamentos da Quimbanda, para aí sim construir em vocês um entendimento coeso sobre o tema. Então primeiro vou gravar uma série de vídeos sobre os fundamentos da Quimbanda, a começar pelo Cruzeiro das Almas, passando a tronqueira, o Ògún de Quimbanda, os pontos riscados e, finalmente, as firmezas e assentamentos. Ao fim, estará claro para todos inúmeros pontos essenciais a se certificar quem, de fato, está comentos de suas oferendas e recebendo os seus rezos, orações e petições.
Esse é um dos temas mais antigos da busca religiosa humana. No fim da Antiguidade os plantonistas médios e tardios, mais precisamente os teúrgos platônicos, desenvolveram não apenas um rico sistema de classificação dos espíritos, mas também as técnicas teúrgicas para acessá-los. Esse é um tema que venho tratando desde Daemonium: Curso de Filosofia Oculta.
No meu canal de assinantes do Instagram eu já comecei a fazer vídeos de 10 a 15 minutos sobre os fundamentos da Quimbanda. E embora eu vá replicar aqui no YouTube o que eu falei lá, é importante que você vá conferir esse estudo.
Recados
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O site da Ordo Estrela & Serpente está atualizado: www.estrelaeserpente.com.br
Site Goēteia está atualizado: www.goeteia.com.br. Estará nesse site esse roteiro de vídeo.
O roteiro desse vídeo foi retirado do livro Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia.
Antes de iniciarmos, é necessário dizer que, no que tange a Quimbanda Nàgô, tradicionalmente, o fundamento que existe é o Assentamento das Almas ou Assentamento do Cruzeiro das Almas. Essa estrutura do Cruzeiro das Almas como vou descrever nesse vídeo é própria da família Cova de Cipriano Feiticeiro. Aqui temos dois tipos de fundamentações distintas para o Cruzeiro das Almas: i. o Assentamento das Almas e ii. o Cruzeiro das Almas como tratado aqui. Após a inclusão desse fundamento no sistema da nossa família, Táta Kilumbu o estendeu para nossa Banda.
A Quimbanda soma!
O que torna um lugar sagrado? Como um espaço pode se transformar de um território caótico em um centro de poder espiritual? Em diversas culturas, um altar ou um pilar consagrado serve como ponte entre o Céu, a Terra e o Submundo. Na Quimbanda, essa conexão se manifesta no Cruzeiro das Almas, um dos símbolos mais poderosos e enigmáticos do Reino das Almas. Hoje, vamos explorar o mistério por trás dessa estrutura sagrada e sua importância na magia da Quimbanda.
Seção 1: O Poder do Espaço Consagrado
Desde as civilizações antigas, o homem entendeu que a construção de um espaço sagrado era essencial para estabelecer um vínculo com o divino. Entre os povos védicos, a construção do altar de Agni simbolizava a criação do Cosmos. Entre os conquistadores cristãos, a ereção da cruz marcava a consagração de novas terras. Em diversas culturas, a criação de um centro espiritual era a chave para transformar um território selvagem em um espaço de poder.
A fundação de um espaço sagrado passa pelo rito de cosmização através da sua consagração pela cultura que ali irá dominar, por isso que em disputas por território na cultura arcaica, o espaço tomado só era de fato conquistado quando um rito de consagração era feito ali. Esse rito tinha como papel afastar os deuses e os ancestrais dos povos dominados ou de submetê-los aos novos deuses.
É fácil compreender porque o momento religioso implica o «momento cosmogônico»: o sagrado revela a realidade absoluta e, ao mesmo tempo, torna possível a orientação – portanto, funda o mundo, no sentido de que fixa os limites e, assim, estabelece a ordem cósmica. [...] À tomada de posse de um território: a posse torna-se legalmente válida pela ereção de um altar.[1]
O espaço estrangeiro, mesmo que cosmizado por outros deuses, é para a população conquistadora um caos, um espaço não organizado. A sua organização ocorre com o rito inicial de consagração do novo território. Toda consagração tradicional é uma repetição da cosmogonia dos povos conquistadores. Ao se organizar um espaço tomando o mito como modelo e extraindo seus arquétipos, reitera-se a obra dos deuses.
Seção 2: O Cruzeiro das Almas e a Quimbanda
Na Quimbanda, o Cruzeiro das Almas cumpre essa mesma função. Ele é o eixo central que conecta os três éteres da Natureza: o Submundo, a Terra e o Ar. Diferente das encruzilhadas, que servem como zonas de poder para os Exus deificados, o Cruzeiro das Almas é um limiar entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, todos os mortos, mas também permite a comunicação com todo tipo de espírito.
Nas culturas arcaicas da magia e da religião, a construção das cidades, casas, ruas e templos, seus ritos, teofanias e hierofanias, sempre ocorreu ao redor de um espaço sagrado que representava o centro do Cosmos, o onfalo ou Umbigo do Mundo, de onde toda criação começou. Ali se erguia a construção fundante da cidade, o templo, que representava ao homem antigo adentrar em uma fonte perene de comunicação com o sagrado.
O centro definia e delimitava o espaço, e a partir e em relação a ele, as direções Leste, Oeste, Norte e Sul eram definidas. Toda essa estrutura refletia a própria ideia de cosmogonia e cosmologia da cidade criada a partir do centro, onde se estabelecia o onfalo de comunicação com o Sagrado. Quando um templo é erguido seguindo essa configuração, a de representar o centro do cosmos que contém um axis mundi que forma a interseção entre os três planos, Céu, Terra e Inferno, ele se torna um espaço hierofânico criacional real.
Foi pensando nessa cosmização que nós do Templo de Quimbanda Maioral Exu Pantera Negra e Pombagira Dama da Noite da família tradicional de Quimbanda Nàgô e Quimbanda Mussurumin erigimos o Cruzeiro das Almas como um axis mundi de integração dos planos ctônico (subterrâneo), telúrico (terrestre) e aéreo, para que passasse a representar o centro de nosso Cosmos, a fonte de poder que alimenta nosso templo.
Seção 3: Kaminaloá – O Exu do Cruzeiro
Na Quimbanda Mussurumin, o Cruzeiro das Almas está diretamente associado à regência de Exu Rei Kaminaloá. Seu ponto cantado diz: O portão do cemitério se abriu, um nevoeiro cobriu o cemitério, no Cruzeiro eu ouvi uma gargalhada, Kaminaloá no meio da ossada. Esse Exu não tem uma forma antropomórfica, sua identidade está diretamente ligada ao próprio Cruzeiro das Almas, funcionando como um portal vivo para o mundo dos mortos.
Na Quimbanda Mussurumin há dois tipos de interface com os espíritos. A primeira interface é Exu Kaminaloá, que em si manifesta a força mágica do Cruzeiro das Almas, sendo o meio de comunicação entre o kimbanda e os mortos. A segunda interface é Exu Ganga, representado antropomorficamente como um ciclope de três olhos. Tradicionalmente o ciclope é descrito na mitologia grega como uma criatura com um único olho no meio da testa. O próprio nome ciclope vem do grego kyklōps, que significa olho circular ou olho redondo. Eles são retratados assim tanto nos mitos mais antigos quanto nas obras clássicas, como a Odisseia de Homero.
Embora a tradição mitológica grega o apresente com um único olho, em contextos modernos e pós-modernos, pode-se imaginar variantes da criatura, como no caso da Quimbanda. Na Quimbanda Mussurumin Exu Ganga é considerado os Olhos da Espiritualidade ou os Olhos dos Maiorais, Lúcifer, Beelzebuth e Ashtaroth, daí três olhos, os Olhos dos Maiorais.
Enquanto Exu Kaminaloá como a força do Cruzeiro das Almas representa a comunicação com as almas, i.e. os mortos, Exu Ganga como os Olhos dos Maiorais representa a conexão com todos espíritos do Cosmos, ctônicos, telúricos, aéreos e astrais. Por isso ele é tão importante na Cabalá Francesa como um acesso a outros sistemas de magia.
Seção 4: O Mistério dos Três Éteres
Um Cruzeiro das Almas verdadeiramente ativo é aquele que consegue penetrar os três éteres da Natureza: Submundo, Terra e Ar. Nos tempos antigos, os mortos eram enterrados a sete palmos de profundidade para impedir sua ascensão. O Cruzeiro, no entanto, é construído para romper essa barreira, permitindo a comunicação entre os planos. Seu formato alto e ereto simboliza essa conexão vertical, garantindo que os mortos possam ser evocados e que os Exus possam manifestar sua força.
Quando não é feito dessa maneira, trata-se de um Cruzeiro das Almas simbólico, como defino tecnicamente, psiúrgico, porque ele irá operar a partir das crenças, da fé e dos movimentos da mente do kimbanda. É por isso que muitos dos Cruzeiros das Almas que vemos em cemitérios não estão, de verdade, ativados magicamente, porque perdeu-se essa fundamentação com o passar dos tempos. Nestas condições, é melhor oferendar as almas no pé de uma árvores, que é um cruzeiro natural, do que na cruz mestra do cemitério que é, efetivamente, simbólica, não mágica.
Conclusão
O Cruzeiro das Almas é mais do que um marco físico – ele é um ponto de poder, um eixo mágico que conecta mundos. Ele representa o elo entre os vivos e os mortos, entre a Terra e o Invisível, e é um dos mistérios mais profundos da Quimbanda. Para aqueles que trilham esse caminho, compreender o Cruzeiro das Almas é compreender a própria estrutura do cosmos e o fluxo das forças espirituais que regem a existência.
Chamada para Ação
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NOTA:
[1] Mircea Eliade. O Sagrado e o Profano. WWF, 2018, pp. 33.
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