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Neste volume o tema do espírito assistente está presente como o pano de fundo do assunto central: como a Quimbanda pode contribuir para o atual renascimento da magia antiga?
Como veremos nos ensaios deste volume, a magia moderna perdeu seu vigor, resultado do profundo estado de crise cultural que vivemos nos dias de hoje, onde as raízes de conexão com o nosso passado estão sendo cortadas, nos privando de toda herança cultural deixadas pelos gigantes de outrora, os quais nos debruçamos sobre seus ombros.
Muitos magistas que perceberam essa árvore sem seiva da magia moderna começaram a dirigir seus esforços em resgatar as práticas mágicas da Antiguidade como àquelas dos Papiros Mágicos Gregos e o exercício da magia dos grimórios no Medievo, bem como a cosmovisão animista que dá vida e cor ao tecido da Realidade. Essa busca depende, como demonstrei no volume anterior e enfatizei novamente neste, da mudança na perspectiva mágica acerca do cosmos. Para compreender a prática da magia na Antiguidade e Medievo, é preciso olhar para esses períodos com os mesmos olhos do homem que viveu neles: o contexto cultural, econômico, político, religioso e social. Para isso nós recorremos à história, porque sob sua perspectiva todos esses aspectos culturais e outros são incluídos. Essa mudança de ponto de vista sobre o cosmos não é fácil. É difícil se libertar das associações e estrutura da Árvore da Vida, o pivô da magia moderna e que tem limitado as perspectivas mágicas de muitos magistas atuais.
O foco de pesquisa dos volumes Daemonium é o conhecimento & conversação com o espírito assistente, o que necessita de uma visão daimônica e um estilo de vida correspondente, àquele do contato nu e cru com os espíritos. Trata-se de um estilo de vida goético de comunicação e zeladoria com os espíritos. Esse é o estilo de vida de um kimbanda brasileiro.
O termo kimbanda é um vocábulo quimbundo que designa uma antiga posição sacerdotal nos cultos bantos; trata-se de um médico ritual e manipulador de forças vitais, um xamã curandeiro africano equivalente ao vocábulo congo nganga. Há uma distinção nos cultos bantos entre o kimbanda (médico ritual) e o muloji (vocábulo quimbundo) ou ndoki (vocábulo quicongo), feiticeiros cujas práticas objetivam malefícios.
Com intenso intercâmbio entre as culturas africanas (bantos e yorùbás), brasileira (ameríndia) e europeia, a Quimbanda no Brasil desenvolveu-se em moldes muito parecidos ao rito congo do vodu haitiano (que possui amplas tecnologias mágicas para malefícios), fundamentalmente a linha denominada nàgô.
O táta-nganga da Quimbanda no Brasil passou a incluir ambos os ofícios: o kimbanda (médico ritual) e o muloji (feiticeiro de malefícios), muito embora haja sacerdotes que descordem desse tipo de separação. Seja como for, o kimbanda no Brasil trabalha para cura ou para destruição.
Para todos àqueles que se interessam em resgatar e reviver a magia da Antiguidade ou do Medievo, a Quimbanda é uma ferramenta mágica poderosa para restaurar as técnicas e práticas mágicas desgraçadamente perdidas na magia moderna, completamente essenciais e necessárias para o exercício e a compreensão da magia e cosmovisão apresentadas nos grimórios medievais, cujo foco do presente volume centra-se no que se conveniou chamar de magia demoníaca, o conhecimento e conversação com espíritos malignos, os demônios.
A magia demoníaca medieval apresentada nos grimórios opera através das lentes da interpretatio romana, quer dizer, o paradigma demoníaco que plantou suas raízes nas primeiras eras do cristianismo e floresceu completamente na Idade das Trevas. Desse paradigma demoníaco nasceram os primeiros grimórios de convocação demoníaca produzidos por intrépidos clérigos que se debruçavam sobre os estudos da Filosofia Oculta.
A magia demoníaca se popularizou com o nome de goécia: operações de magia que visam o conhecimento e a conversação com espíritos inferiores ou infernais, quer dizer, demônios e espíritos dos mortos. Como veremos, a goécia como exercício necromântico remonta ao período clássico da Grécia antiga, muito anterior a interpretatio romana. Como vimos no volume anterior, à prática de conjurar, convocar ou repelir espíritos é universal na tradição arcana da magia. Xamãs, pajés e kimbandas têm feito isso desde tempos imemoriais. A interpretatio romana transformou qualquer tipo de espírito, maligno ou benfazejo, deuses e deidades de todas as culturas, em demônios, ou seja, espíritos cuja única finalidade é destruir a obra do Redentor.
É essa classe de espíritos infernais que fizeram uma profunda incursão na Quimbanda, transformando-a em uma tradição brasileira de feitiçaria diabólica. Tudo na Quimbanda é diabólico e demoníaco. Por volta de 1950, como veremos, uma ponte foi estabelecida entre os Exus da Quimbanda e os demônios de um livro de feitiçaria europeu, o Grimorium Verum, que se popularizou por amenizar a comunicação com os espíritos infernais através da restauração de antigas práticas de feitiçaria, como pactos, sacrifícios e oferendas, técnicas desenvolvidas e refinadas pela Quimbanda para comunicação com mortos diversos e demônios do Grimorium Verum e Grand Grimoire, inicialmente.
A maior parte dos ensaios deste volume, portanto, trata da contextualização da incursão diabólica que ocorreu na Quimbanda a partir da tradição erudita dos grimórios e da feitiçaria popular ibérica.
Táta Nganga Kamuxinzela
Cova de Cipriano Feiticeiro
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