A Parte I desta obra é uma apologia contra a militância radical de africanistas, kimbandas angoleiros e satanistas, que se lançam contra as raízes fundantes da Quimbanda, raízes estas estruturadas inicialmente através das vertentes tradicionais que derivam de seu tronco precursor.
Os africanistas empreendem um novo tipo de expurgo parecido com aquele que ocorreu nas décadas de 1920-1950, quando os espíritas se apropriaram das tecnologias mágicas da Macumba para criar a Umbanda branca. Como veremos no opúsculo que abre essa seção, A Morte do Feiticeiro Branco na Quimbanda Brasileira, a Quimbanda nasce como efeito colateral do expurgo negro que os espíritas empreenderam na validação da Umbanda como religião aceita pela sociedade brasileira da época.
O espiritismo influenciou profundamente as crenças metafísicas da Umbanda no período do expurgo negro, quando os intelectuais umbandistas associaram suas práticas rituais ao espiritismo e expurgaram delas todas as influências fetichistas e animistas da África negra. A Quimbanda acabou se tornando o relicário secreto que guardou os segredos da cabalá crioula, quer dizer, a sabedoria arcana que vem da África: a feitiçaria fetichista e os sacrifícios animais, as oferendas, os feitiços de magia negra, as medicinas e as crenças metafísicas acerca da comunicação com os ancestrais e a continuação do espírito no post mortem. Todo o africanismo expurgado da Umbanda embranquecida foi guardado a sete chaves na Quimbanda e isso evitou que ela assimilasse do espiritismo suas crenças.
Então na Quimbanda há um alto grau de influência africana. Toda estrutura da Quimbanda, o que provê corpo religioso a ela, vem da cultura banto. Sem os segredos da cabalá crioula a Quimbanda simplesmente não funciona. No entanto, existe também na Quimbanda um alto grau de influência europeia. Embora a base estrutural-religiosa da Quimbanda seja proporcionada pela herança da África banto, os regentes dela são deidades do Mundo Antigo, mascaradas e revitalizadas sob a forma dos três demônios chefes do inferno: Lúcifer, Beelzebuth e Ashtaroth.
Como apresentei no segundo volume do Daemonium, toda hierarquia dos Gangas na Quimbanda é derivada da estrutura hierárquica dos grimórios demonológicos europeus. Assim como existe muito da África na Quimbanda, também existe muito da Europa.
Os africanistas radicais agora empreendem o expurgo branco na cultura afro-brasileira, onde as raízes ancestrais europeias têm sido decepadas de seguimentos da Umbanda, Quimbanda e Candomblé. Hoje já é possível encontrar seguimentos destas tradições onde tudo o que vem do homem branco eurocentrista foi completamente expurgado, e há relatos de locais que nem permitem a presença de caucasianos. O opúsculo que abre este livro é um ato de resistência branca contra radicais africanistas.
O opúsculo O Tronco Tradicional de Quimbanda é uma oposição direta a atitude execrável de kimbandas angoleiros de iniciação duvidosa e não confirmada pelos herdeiros mágicos de Táta Negão. Através de fontes seguras nós descobrimos um ardiloso plano em curso: alguns kimbandas angoleiros começaram a disseminar uma narrativa falaciosa de que a Quimbanda Nàgô teria sido criada a partir do trabalho de Joãozinho da Goméia e, em seguida, continuada por seus herdeiros paulistas, dos quais se destaca Táta Negão.
No entanto, os herdeiros de Táta Negão se identificam como Kimbanda de Angola, não como Quimbanda Nàgô. Mas estes kimbandas angoleiros inescrupulosos estão no curso da tentativa de se apropriarem do termo Kimbanda Nàgô, fazendo parecer que o trabalho deles é a genuína Quimbanda Nàgô e que nós, o nosso trabalho, trata-se de uma dissidência derivada de núcleos espúrios.
Nós sabemos que estes kimbandas angoleiros, que tentam emplacar essa narrativa inestética e impostora, em verdade não têm nem mesmo iniciação genuína na Kimbanda de Angola. Não será da Quimbanda Nàgô que eles irão se apropriar. Nós, guardiões da tradição, não deixaremos.
O opúsculo que encerra a primeira seção deste livro é O Satanismo na Quimbanda, e se trata de um esclarecimento que demonstra como a Quimbanda Luciferiana derivou de núcleos satanistas brasileiros, e não do tronco tradicional de Quimbanda.
A literatura disponível sobre Quimbanda Luciferiana cruza fundamentos de variadas vertentes tradicionais de Quimbanda, principalmente a Nàgô, com elementos do satanismo tradicional, do satanismo anticósmico e do luciferianismo moderno. Na classificação tradicional das vertentes de Quimbanda, isso seria considerado Quimbanda Cruzada, porque cruza o sistema da Quimbanda com elementos de outros sistemas, com o xamanismo por exemplo.
A intenção desse opúsculo, portanto, é destacar as diferenças entre as vertentes tradicionais de Quimbanda e a moderna Quimbanda Luciferiana.
Na Parte II, que é a espinha dorsal dessa obra, as três vertentes primordiais da Quimbanda, Malei, Nàgô e Mussurumim, anunciadas na Parte I como derivadas do tronco tradicional de Quimbanda, são apresentadas como sistemas mágicos que delineiam práticas de feitiçaria distintas para se relacionar adequadamente com os Gangas da Quimbanda nos três reinos fundamentais da Natureza: ctônico (submundo), telúrico (terrestre) e etéreo (aéreo).
A gênese da Quimbanda como nós a praticamos hoje está diretamente conectada a cosmovisão e sistema de magia dos grimórios diabólicos da tradição salomônica, principalmente a hierarquia dos Exus, como demonstrei com detalhes no segundo volume do Daemonium. O sistema de magia destes grimórios, ou pelo menos a classificação de seus espíritos em éteres ou mundos sublunares, é denominado noturno ou simplesmente lunar, i.e. está conectado aos mistérios da noite, da escuridão e das trevas. Porque estes grimórios lidam com espíritos ctônicos, telúricos e aéreos, e tratam das artes negras que jazem ocultas na escuridão das profundezas, elas foram chamadas de nigromancia, termo que popularmente foi associado a magia diabólica ou magia demoníaca, daí, magia negra.
O Grimorium Verum, que influenciou profundamente a Quimbanda, é um desses grimórios nigromânticos noturnos, sombrios e lunares. A classificação se dá, obviamente, porque os espíritos desses grimórios estão abaixo do orbe da Lua, nos três reinos fundamentais: céu (reino aéreo), terra (reino telúrico) e inferno (reino ctônico), e operam nas horas do período da noite. Quando associados às direções espaciais, os espíritos são aéreos; quando associados à terra, eles são telúricos; e quando são associados ao submundo, eles são ctônicos.
No livro Saravá Exu, N.A. Molina diz que tentou ensinar de tudo um pouco sobre o Agente Mágico Universal, suas cores e locais certos onde devem ser colocados seus despachos. Este livro não cita a Quimbanda, mas na sua primeira página vem o Brasão Imperial de Maioral. O Agente Mágico Universal é uma referência ao corpo de Maioral, ambiente ou luz astral, que comporta uma ampla gama de correntes (éteres) de força, nomeadas correntes astrais. Na magia nigromântica dos grimórios o mago manipula elementos naturais retirados dos três reinos fundamentais na intenção de acessar e utilizar a potência dessas correntes. Ela projetou um conjunto de técnicas capaz de manipular os éteres telúrico, ctônico e aéreo no ambiente da luz astral.
A Quimbanda se especializou no acesso e na manipulação destes mesmos éteres ctônico, telúrico e aéreo no ambiente astral sublunar. A miríade de Gangas da Quimbanda, também agentes mágicos universais, têm o poder de acessar e manipular estes éteres através das tecnologias mágicas que a Quimbanda dispõe: as encruzilhadas, os cruzeiros, os pontos de força como o cemitério, a praia e as matas etc., as cores, os símbolos, o sacrifício animal, as oferendas, o fumo, o enxofre, a pólvora, o álcool e os pontos riscados, todos são agentes mágicos universais através dos quais a luz astral é movimentada a partir do intento magístico na manipulação destes éteres.
Uma conexão profunda se estabeleceu na tradição de Quimbanda desde a década de 1950 com a demonologia europeia e as técnicas derivadas dos grimórios para conexão e coerção dos demônios, o que ficou popularmente conhecido como nigromancia, necromancia, maleficium, goécia, magia negra, magia demoníaca ou baixa magia. Na magia cerimonial, a classe de espíritos que lidam com os éteres ctônico, telúrico e aéreo sublunares são as criaturas espirituais destes éteres, classificadas genericamente como demônios na cosmovisão cristianizada do Ocidente. Como esses éteres são a área de atuação dos Exus e Pombagiras (mortos deificados) da Quimbanda, foi possível conectá-los a atuação de demônios. Assim foi estabelecida uma ponte através da qual foi possível convergir Exus e demônios, o que ficou popularmente conhecido como baixo espiritismo, porque desde o fim do Séc. XVIII o espiritismo influenciou profundamente o sistema, a estrutura e as práticas mágicas das tradições afro-brasileiras.
Assim a Quimbanda nasce como uma tradição de goécia brasileira, porque da rica herança ancestral ameríndia, africana e europeia, desenvolveu um sistema de feitiçaria nigromântica próprio.
O Grimorium Verum foi considerado pelos ocultistas tradicionais do Séc. XVIII e XIX como o Livro do Diabo. MacGregor Mathers em sua introdução a Chave de Salomão diz que o Grimorium Verum trata-se de um livro carregado de magia diabólica [...] e não posso me esquivar de advertir o estudante prático contra ele. A.E. Waite o chamou de verdadeiro e legítimo manual indisfarçado de magia negra, quer dizer, goécia. Jake Straton-Kent no ensaio Old Wizard[1] diz que o Grimorium Verum foi omitido da lista de estudos da Astrum Argentum porque corrompia os seguidores de Aleister Crowley.
Trata-se de um grimório moderno, ligeiramente distinto de seus predecessores medievais, porque ele reelabora as técnicas e as chaves de acesso que estiveram fora dos grimórios salomônicos: os pactos com os espíritos, a herbologia diabólica (encontrada nos gabinetes das bruxas e que inspiraram os templos de magia cerimonial), as oferendas e os sacrifícios destinados aos espíritos infernais. Como eu dissertei no segundo volume do Daemonium, essa abordagem do Grimorium Verum é muito próxima do tipo de feitiçaria da Quimbanda, e acredito que essa é uma ponte que permitiu inserir a diabologia e demonologia deste grimório na Quimbanda.
A Quimbanda desenvolveu um intricado sistema de reinos que operam nestes três éteres fundamentais da Natureza, mas nós só nos debruçaremos sobre eles na Parte III desta obra.
O opúsculo que abre essa segunda seção, O Cruzeiro das Almas: o Onfalo da Quimbanda, demonstra como a tecnologia mágica do Cruzeiro das Almas se trata de um axis mundi que conecta estes três reinos fundamentais, céu, terra e inferno, tornando-se um portal para o ingresso e o egresso das almas, vagantes ou deificadas, que neles habitam.
O opúsculo que segue, O Diabo Pessoal: o Segredo da Goécia, é uma apologia contra a prática pueril do que se conveniou chamar de goécia moderna. Os magistas modernos perderam totalmente a conexão com a feitiçaria dos grimórios nigromânticos. Não há mais sacrifícios ou oferendas; não há mais o uso de elementos naturais, a construção de moradas de poder ou a vinculação pactual. O que existe é 1. invocação do não-nascido; 2. pantáculo de papel impresso ou xerocado; 3. vareta de incenso de dois reias; 4. adaga de binquedo; 5. a seleção de demônios como pratos escolhidos em um cardápio de restaurante de pedreiros; 6. e quando muito, um prato de maçãs com gomos de mexerica.
Eu venho demonstrando que a prática tradicional de goécia envolve a fórmula mágica do espírito tutelar. Nesse ensaio nos debruçamos sobre esse mecanismo fundamental da goécia salomônica tradicional.
O opúsculo Uma Chave da Goécia é uma leitura da goécia salomônica sob a ótica do hermetismo tradicional, onde o leitor perceberá que a autoridade sobre os espíritos está para muito além do poder dos nomes sagrados e das armas mágicas consagradas, mas além disso, pela lembrança de que a natureza essencial do mago é muito superior aos Ousiarcas, os deuses dos éteres superiores de luz e perfeição.
O opúsculo A Chave Menor de Salomão é uma curta resenha do grimório O Segredo de Salomão, comparando alguns de seus métodos com aqueles da Quimbanda.
Os três opúsculos que seguem, a saber, O Chefe Império Maioral: o Rei do Inferno; O Baphomet de Eliphas Levi & o Maioral da Quimbanda; e O Brasão do Chefe Império Maioral na Quimbanda, são uma apresentação profunda da natureza da Quimbanda, suas influências e seu sistema de feitiçaria, assim como uma abordagem tradicional da interpretação do Chefe Império Maioral na Quimbanda e seu Brasão, a sua chancela mágica através do qual todo o sistema do culto é demonstrado por meio de símbolos astrológicos, alquímicos e mágicos.
Nunca na história da literatura de Quimbanda no Brasil esse tema foi tão profundamente esmiuçado e abordado, isento de inclinações ideológicas como vemos abundar na literatura popular disponível.
O opúsculo Ashtaroth na Quimbanda é uma apologia ao poder feminino da Lua na Quimbanda. Tradicionalmente, Ashtaroth foi sincretizada com Exu Rei das Sete Encruzilhadas. A partir do trabalho do Exu Sete Catacumbas e seu médium, o Táta Nganga Malembu Mikunga da família Danjilesumbu, nosso Táta feitor na Quimbanda Nàgô e Mussurumim, Astaroth foi sincretizada com a Pombagira Rainha das Sete Encruzilhadas, alinhando com Pombagira, representante do feminino ancestral na Quimbanda, as forças lunares de Astaroth.
O opúsculo traz ainda uma interpretação singular da Pombagira Rainha das Sete Encruzilhadas na Kimbanda Malei, que diferente da Quimbanda Nàgô, a sincretiza com o demônio Asmodeus que, na Malei, não é considerado um macho, como tradicionalmente o é, mas andrógeno, podendo se apresentar hora como Exu, hora como Pombagira.
O opúsculo Deuses Terrestres é mais uma comparação entre os métodos práticos de assentar os Gangas na Quimbanda e o feitio de deuses terrestres no hermetismo tradicional. Como demonstrei, há muitas convergências entre o hermetismo tradicional e a Quimbanda, há muitos pontos em comum, mas também há muitos pontos destoantes. Mas no que tange ao feitio dos deuses terrestres, o hermetismo tradicional está muito próximo da Quimbanda.
O opúsculo que encerra essa segunda seção é O Sacrifício Animal: Mundo Antigo, Cultura Africana & Quimbanda. O texto é uma abordagem geral ao tema, que pretendo me aprofundar muito mais no futuro. Seu objetivo é destacar o fato da Quimbanda estar em sintonia completa com as ideias acerca do sacrifício no Mundo Antigo.
Na Parte III nos debruçaremos sobre o intricado sistema de reinos na Quimbanda, através dos quais é possível acessar os espíritos diversos, almas deificadas, almas perdidas, e encantados nos três reinos: céu, terra e inferno.
A ideia de reinos na Quimbanda começa com Aluízio Fontelenelle na década de 1950. Inicialmente ele delineou apenas dois reinos: encruzilhadas e cemitérios (ou almas). Essa dinâmica de dois reinos foi mantida e perpetuada na Kimbanda Malei. No entanto, a Quimbanda Nàgô, Mussurumim e outras vertentes modernas assumiram mais reinos na organização dos trabalhos dos Gangas.
A primeira organização dos reinos em um agrupamento de sete faixas de vibração apareceu na obra Reino de Kimbanda do uruguaio Osvaldo Omotobàtálá, em 2008. A partir dessa obra inúmeras vertentes de Quimbanda começaram a operar com o sistema de reinos, deixando de lado o antigo sistema de linhas de trabalho.
A abordagem dos Reinos da Quimbanda neste livro é original. Ela parte também do trabalho do Exu Sete Catacumbas e de seu médium, Táta Malembu da família Danjilesumbu, que nos transmitiu todo o conhecimento de forma oral. De posse dessa gnose, Táta Zelawapanzu se esforçou em colocar tudo no papel, e trata-se do material que está disponível na Parte III.
Diferente das abordagens populares que se baseiam sempre no trabalho de Osvaldo Omotobàtálá, como macacos que mimetizam seus adestradores, a interpelação dos Reinos da Quimbanda aqui acompanham as história de formação do Cosmos, fundamentalmente o ambiente sublunar, e da consciência humana. Vocês irão se surpreender.
Táta Kamuxinzela
Solstício de Inverno de 2023.
[1] Conjure Codex, no. 1, 2011.
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