Por Táta Nganga Kamuxinzela
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As conexões entre a demonologia europeia e a Quimbanda brasileira revelam um sincretismo que enriquece e transforma os símbolos arquetípicos, a forma e a imagem – em um sentido platônico – de Klepoth e Asmodeus dentro do culto. Klepoth, descrita no Grimorium Verum como uma diaba sedutora e com habilidades divinatórias, é associada na Quimbanda a Pombagira, uma deidade que simboliza o poder do feminino ancestral e diabólico. Ao mesmo tempo, Asmodeus, conhecido como incitador da luxúria e do desejo, ocupa um lugar singular na Quimbanda Malê, manifestando-se tanto como Exu quanto como Pombagira, em uma forma andrógina que transcende as divisões de gênero. Para um aprofundamento, veja meu texto Asmodeus na Quimbanda Malê.
Klepoth como força feminina: Nas descrições do Grimorium Verum, a diaba Klepoth surge como um espírito lascivo, cujos atributos de sedução e poder de adivinhação se alinham perfeitamente com o arquétipo da Pombagira. Embora Klepoth seja descrita como um demônio na demonologia moderna a partir do Verum, a tradição da Quimbanda enxerga-a como uma força feminina, em sintonia com o poder sedutor, independente e mágico de Pombagira. Essa ressignificação destaca Klepoth não apenas como uma entidade sexual – típica das descrições mais antigas de Pombagira em autores como Fontenelle e Alva –, mas também como um canal divinatório tanto para acessar aspectos ocultos da psique quanto penetrar o campo de destino do tecido da realidade através de oráculos e visões.
Klepoth e Pombagira como encarnadas nas Qliphoth: Pode existir uma relação entre Klepoth e o conceito místico das Qliphoth, as cascas da criação divina que representam os elementos sombrios e caóticos da existência. Na Quimbanda Malê, as Pombagiras são vistas como manifestações diretas de Klepoth, integrando os aspectos mais primitivos e poderosos do universo ao assumirem uma função de mediação e transformação dentro desse contexto. Assim, Pombagira não é apenas uma entidade de proteção ou sedução; ela simboliza a totalidade das Qliphoth, uma força poderosamente destrutiva que transita e ressignifica o bem e o mal na forma de manipulação do poder sombrio absoluto.
Descrito nas tradições judaicas e islâmicas como um demônio de intensos desejos sexuais, Asmodeus incorpora uma dualidade única na Quimbanda Malê, manifestando-se de forma andrógina, como Exu (masculino) e como Pombagira (feminino). Este caráter dual permite que Asmodeus seja reconhecido como o primeiro espírito que governa todas as Pombagiras, consolidando sua posição de liderança entre as forças femininas da Quimbanda Malê.
A associação entre Asmodeus e a figura das diabas da Quimbanda Malê remonta às concepções europeias, especialmente através do Malleus Maleficarum, onde a sexualidade feminina era vista como um domínio do mal e da manifestação do demoníaco na vida humana. Essa visão influenciou profundamente a construção do arquétipo da Pombagira como uma diaba brasileira a partir da década de 1950 nas obras de Aluízio Fontenelle, Antônio de Alva e Táta José Ribeiro, a representação de uma deidade feminina poderosa e temida, capaz de manipular os desejos e as emoções humanas com uma intensidade formidável. Na Quimbanda Malê, Asmodeus e Klepoth não são apenas figuras do imaginário europeu adaptadas; eles representam um tipo de sabedoria e poder femininos ancestrais que desafiam as normas morais e sociais.
A Quimbanda se apropria e transforma as figuras de Klepoth e Asmodeus em símbolos de uma espiritualidade que vai além das convenções religiosas. Ao reimaginar Klepoth como Pombagira e Asmodeus como uma entidade andrógina que lidera as Pombagiras, a Quimbanda Malê oferece um caminho de autoconhecimento e liberação do eu sombrio ou chama negra, promovendo uma conexão direta com forças primordiais e caóticas do Reino das Trevas.
A análise das conexões entre Klepoth e Asmodeus na Quimbanda revela um panorama rico e multifacetado onde forças primordiais e arquetípicas são ressignificadas em um contexto sincrético único. Klepoth, como fonte do poder feminino diabólico, e Asmodeus, como espírito andrógino que governa as Pombagiras, não apenas desafiam as normas morais e sociais, mas também nos convidam a um mergulho profundo na essência caótica e criativa do Cosmos. Na Quimbanda Malê, essas figuras deixam de ser meras entidades da demonologia europeia para se tornarem instrumentos de transformação espiritual e acesso ao poder visceral e ancestral do feminino.
Ao reinterpretar essas forças sob a ótica da Quimbanda, não apenas as adaptamos, mas lhes devolvemos uma dimensão mágica, mística e universal, conectando-as aos ciclos eternos de criação, destruição e renascimento. Klepoth e Asmodeus simbolizam o poder de subversão, transcendendo limites e moldes religiosos para oferecer uma experiência espiritual que acolhe a totalidade da existência – luz e sombra, ordem e caos, desejo e sabedoria.
Assim, a Quimbanda reafirma-se como um espaço onde o feminino diabólico se manifesta, desvelando mistérios antigos e abrindo portas para novas compreensões do ser e do Cosmos. Klepoth e Asmodeus são, ao mesmo tempo, guardiões e guias nesse caminho, símbolos vivos de uma espiritualidade que abraça o ilimitado e o visceral.
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