Por Táta Nganga Kamuxinzela
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O tema deste opúsculo está no âmbito do Daemonium: a Quimbanda no Renascer da Magia. A figura de Pombagira na Quimbanda emerge como uma deidade que concentra a essência visceral do feminino diabólico, desafiando conceitos morais e religiosos consolidados pela cristandade e pela sociedade. Sua força reside na fusão de heranças culturais, ancestrais e religiosas, abrangendo desde os arquétipos das deusas antigas até a simbologia das feiticeiras e bruxas europeias. Pombagira é o reflexo da transgressão, da liberdade absoluta e da potência criativa e destrutiva da natureza.
Na Quimbanda, Pombagira é concebida como uma diaba, uma entidade feminina e poderosa, que incorpora a dualidade do prazer e do caos. A iconografia das Pombagiras, como por exemplo à imagem de Maria Padilha, herda características das feiticeiras ibéricas, as quais invocavam assistentes espirituais chamadas diáboas. Essas figuras foram reinterpretadas no Brasil, moldando a Pombagira como um espírito autônomo e sensual, guardiã das encruzilhadas e mediadora entre os mundos.
Ao mesmo tempo, a presença de Pombagira na Quimbanda é profundamente conectada ao imaginário do Diabo. Não o Diabo cristão, personificação exclusiva do mal, mas o Senhor da Natureza, a força selvagem, andrógina e criativa que rege os ciclos de vida, morte e renascimento. Essa conexão com o Chefe Império Maioral une Pombagira às grandes deusas do passado, como Lilith, Hécate e Astarte, cujas essências permanecem na simbologia e nos rituais da Quimbanda.
A Quimbanda reconhece e celebra o feminino diabólico, um aspecto visceral e primitivo que subverte a noção de fragilidade associada ao feminino no imaginário ocidental. Pombagira não é mãe, esposa ou cuidadora no molde convencional; ela é amante, sedutora, feiticeira e senhora da transgressão. Sua liberdade e irreverência desafiam o controle e moral cristão, trazendo à tona um poder feminino que é ao mesmo tempo criador e destruidor.
A figura de Pombagira resgata o poder das deusas negras e caóticas, sendo o elo entre tradições antigas e práticas modernas. Seu arquétipo reúne elementos das deusas gregas Hécate, a senhora das encruzilhadas e da feitiçaria; Lilith, a rebelde e símbolo da independência feminina; e Astarte, deusa do amor, guerra e fertilidade. Todas essas influências confluem em Pombagira, que se torna o receptáculo de uma sabedoria ancestral voltada para o domínio da adversidade e da superação dos limites impostos.
A Quimbanda, em sua essência, reflete a selvageria da vida e as leis implacáveis da natureza. Pombagira, como manifestação do feminino diabólico, opera nesse contexto sem indulgência para com dogmas ou idealizações. Ela é a personificação da terra e do sangue, forças que sustentam a vida e também a consomem. Na selva da Quimbanda, Pombagira é tanto predadora quanto protetora, guiando seus devotos a enfrentarem seus próprios medos e a dominarem as adversidades da existência corporificada.
Pombagira não é apenas uma entidade espiritual; ela é um símbolo cultural de resistência. Sua figura concentra as memórias de mulheres que foram perseguidas, queimadas, torturadas e demonizadas ao longo da história, desde as bruxas da Idade Média até as mulheres marginalizadas do Brasil colonial. Em suas danças e cantos nos toques, essas almas femininas retornam para celebrar sua liberdade e desafiar as estruturas opressoras que as tentaram silenciar o seu poder.
Ao invocar Pombagira, os adeptos da Quimbanda não apenas se conectam com uma força espiritual poderosa, mas também com a herança de luta, transgressão e transformação que ela simboliza. Nesse sentido, Pombagira é a guardiã de um caminho que ensina a lidar com as forças selvagens e viscerais da vida, com sabedoria e coragem, sempre ancorada no poder transformador do feminino diabólico.
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