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O VEÍCULO PNEUMÁTICO DA ALMA

  • Foto do escritor: Fernando Liguori
    Fernando Liguori
  • 1 de dez. de 2024
  • 25 min de leitura

Série: Teurgia & Cabalá Crioula

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @hermakoiergon | @goeteia.com.br

 

O ochēma-pneuma, o veículo pneumático da alma, é um conceito central para a compreensão da alma e sua relação com o reino da geração no platonismo teúrgico. Refere-se ao corpo sutil e energético que atua como um veículo da alma, mediando entre o reino imaterial da alma e o reino material do corpo. A gênese do conceito está baseada nos escritos de Platão e é apoiada por aqueles de Aristóteles. Representa a reconciliação de Platão e Aristóteles em um assunto que o primeiro nunca ensinou e que o segundo foi incapaz de definir de forma inteligível.

 

Este veículo é destinado a unir duas entidades diametralmente opostas: a alma incorpórea e a matéria corpórea. Ele, portanto, não é nem material nem imaterial, mas um meio-termo entre esses dois extremos. Filósofos posteriores afirmaram que o éter, i.e. pneuma, mencionado em Epinomis (981c5-8, uma obra que acreditavam ser de Platão) e nos trabalhos de Aristóteles (por exemplo, De Caelo, 270b20-26), era a substância que compunha este veículo, que cumpre três funções principais: i. abriga a alma racional em sua descida do reino noético para o reino da geração; ii. atua como o órgão da percepção sensorial e da imaginação e; iii. por meio de ritos teúrgicos, pode ser purificado e elevado, servindo como um veículo para o retorno da alma racional através do Cosmos até os deuses.[1]

 

Os platonismos[2] místico e teúrgico atribuíram essas funções aos ensinamentos de Platão e Aristóteles.[3] Em Timeu (41e1-2), Platão afirma que o Demiurgo distribuiu cada [alma a cada corpo], e tendo montando-as [isto é, as almas humanas] como se estivessem em um veículo, e mostrou-lhes a natureza do universo.[4] Uma vez que a alma está situada em seu próprio veículo, ela desce para o reino da geração. O platonismo teúrgico interpreta de forma semelhante o mito do Fedro, no qual as almas dos deuses e dos humanos são comparadas a cocheiros montando em carruagens (ochēmata, 247b1-3). No Fédon (113d) Platão diz: àqueles que viveram medianamente [i.e. mediucrimente, no meio do caminho entre a vida profana secular e a vida integral de piedade religiosa] vão para o Arqueronte e, embarcados em carruagens que lhe são destinadas e nestes alcançam o lago.[5] Para o platonismo teúrgico, cada uma dessas passagens mostra a alma conectada ao seu próprio veículo, tanto no Cosmos quanto em sua descida à Terra.

 

A função imaginativa deste veículo pneumático depende da teoria aristotélica (por exemplo, De Generatione Animalium, 744a1-5). As percepções sensoriais são impressas no veículo pneumático e, assim, podem ser processadas pela alma. Observe que o veículo atua como intermediário entre os sentidos corpóreos e a alma imaterial. Além disso, em De Generatione Animalium (736b37-38), Aristóteles diz que o pneuma é análogo ao elemento que compõe as estrelas,[6] i.e. o éter. Portanto, foi um passo simples para filósofos posteriores combinarem o pneuma aristotélico (o éter, o elemento das estrelas) com o ochēma platônico, no qual o Demiurgo vincula a alma.

 

A partir de seu veículo pneumático, a alma é projetada ao reino da geração. Em sua descida, ao passar pelos éteres planetários até o ambiente sublunar, o veículo pneumático da alma é maculado pelos vícios destes éteres, acumulando detritos materiais. É aqui que o ochēma-pneuma ganha sua terceira função, a teúrgica. Uma vez que o veículo pneumático acumula detritos materiais em sua descida ao reino da geração, é necessário passar por um processo gradual de purificação ritual para que esteja preparado a anábase da apoteose. De acordo com as práticas religiosas dos Sécs. III e IV d.E.C., a purificação ritual do veículo pneumático ocorria nos ritos hieráticos do platonismo teúrgico.

 

Plotino, que não dava creditava a teurgia qualquer mérito soteriológico e escatológico, estava despreocupado também com ochēma-pneuma. Ele nunca usa o termo ochēma para se referir ao veículo pneumático da alma. No entanto, ele parece aderir à crença em uma entidade semelhante ao veículo. Na Enéada (IV.3.15), ao discutir a descida da alma ao reino da geração, Plotino afirma que, ao deixar o reino noético, a alma vai primeiro para o céu e lá recebe um corpo por meio do qual continua em corpos mais terrenos (linhas 1-3)[7]. Aqui, está presente a noção, comum nas teorias posteriores do veículo pneumático, de gradações ou camadas de matéria que se ligam a um corpo primário. Plotino parece adotar o papel da purificação dessas camadas na Enéada (III.6.5.22-29):

 

Mas a purificação da parte sujeita às afecções é o despertar das imagens inadequadas e a ausência de vê-las, e sua separação é efetivada por não se inclinar muito para baixo e por não formar uma imagem mental das coisas inferiores. Porém, separar também pode significar remover as coisas das quais está separado quando não está sustentado por um sopro vital (pneuma) turvo pela glutonaria e saciado de carnes impuras, mas aquele no qual reside é tão fino que pode «montá-lo» em paz.[8]

 

Aqui, Plotino menciona claramente o ochēma em relação à purificação e à separação da alma do corpo. Parece que a alma pode existir pacificamente com seu ochēma purificado. O uso do verbo montar implica que Plotino estava familiarizado com o termo ochēmata como uma carruagem para alma.

 

Nenhuma doutrina clara sobre o veículo pneumático da alma emerge dos escritos de Plotino. Parece que, mesmo que Plotino conhecesse os escritos sobre o ochēma-pneuma (e é provável que ele os conhecesse), não demonstrava grande interesse por eles. É com Porfírio[9] e Jâmblico que a doutrina do veículo se torna uma parte integral dos platonismos místico e teúrgico.

 

Como demostra seu tratado De Regressu Animae,[10] Porfírio preocupa-se em incluir a doutrina do veículo pneumático em seu sistema filosófico. No entanto, ele concede à teurgia poder apenas sobre o veículo, não sobre a alma. O veículo é purificado pela teurgia, mas a alma intelectual é separada do corpo não pela teurgia, mas pela reflexão filosófica. É exatamente esse ponto que Jâmblico deseja refutar: o único meio de purificação da alma e sua separação do corpo é por meio da teurgia; a filosofia, por si só, é insuficiente [11]

 

A ênfase na importância do papel do veículo pneumático da alma é proporcional à importância atribuída à teurgia. Plotino, que se importa pouco com esses rituais, também se preocupa pouco com o veículo. Porfírio, que tem mais interesse na teurgia, mas ainda considera esses rituais menos valiosos do que a filosofia, preocupa-se mais com o veículo e fala mais sobre seu papel. Já Jâmblico atribui a maior importância à teurgia e, como resultado, desenvolve mais completamente o conceito e doutrina do ochēma-pneuma.

 

O termo pneuma, entretanto, só ganhou significado técnico com os estóicos, que com ele designaram o espírito ou o sopro animador com que Deus age sobre todas as coisas, organizando-as, vivificando-as e dirigindo-as: Diógenes Laércio[12] diz para os estóicos a natureza é um fogo artífice destinado a gerar, isto é, um pneuma da espécie do fogo e da atividade formativa.[13] Virgílio aludia a essa concepção com versos famosos: Spiritus intus ole Tononque infusa per artus, Mens agitat molem et tete se corpore miscet,[14] versos aos quais Giordano Bruno (1548-1600)[15] recorria para ilustrar sua concepção do Intelecto artífice ou femeiro do mundo. Os magos do Renascimento falavam no mesmo sentido do epitito aturés do qual a alma do mundo age sobre todas as partes do universo visível. São Paulo fala do corpo pneumático, que ele contrapunha ao corpo psíquico ou animal como corpo vivo e vivificante que ressurgirá depois da morte (em Coríntios XIV).

 

Na tradição cristã, pneuma é o Espírito Santo, do qual Tomás de Aquino (1225-1274)[16] dizia: O nome espírito nas coisas corpóreas parece significar certo movimento ou impulso, visto que chamamos de espírito a respiração e o vento. Mas é próprio do amor mover e impelir a vontade do amante em direção ao ser amado. E como a pessoa divina age pelas vias do amor, graças ao qual Deus é convenientemente amado, ela chama-se Espírito Santo.[17]

 


No hermetismo,[18] o pneuma é compreendido como uma substância intermediária essencial que conecta o divino ao humano, o espiritual ao material, a alma ao corpo. Derivado do grego, onde significa respiração ou sopro, o termo no contexto hermético se refere a uma força vital e luminosa que permeia e anima todo o Cosmos, estando intrinsecamente ligado à alma do mundo (anima mundi).

 

No Corpus Hermeticum e, especialmente no texto conhecido como Asclépio, o pneuma é descrito como o veículo da alma. Ele atua como o meio através do qual a alma individual (psyché) interage com o corpo físico e mantém sua conexão com o divino. O pneuma, por sua vez, é associado à luz ou energia divina que flui a partir do Uno, passando pelos reinos celestiais até alcançar o plano material. O pneuma é também considerado um elemento chave no processo de transmutação (ou alquimia) espiritual da alma. Ele serve como o meio onde ocorrem as purificações e as ascensões da alma, possibilitando que esta supere as influências materiais e retorne ao plano divino. Isso é evidente no conceito hermético de regeneração espiritual, onde o pneuma, purificado, torna-se o veículo pelo qual a alma se eleva ao mundo inteligível.

 

Na Hermética o pneuma é também frequentemente descrito como sendo de natureza astral, similar à substância das estrelas, mas sutil o suficiente para mediar entre o corpo denso e a alma imaterial. Ele carrega impressões e experiências do mundo sensível e as comunica à alma, servindo como um canal para sensações, emoções a partir da recepção de forças cósmicas na alma.

 

No hermetismo teúrgico, que defino como a própria teurgia de Jâmblico e Proclo, o pneuma é fundamental para os rituais que buscam atrair forças divinas ou estabelecer contato com os daimōnes. Através de práticas como cânticos, orações e invocações, o pneuma do praticante é refinado, tornando-se um receptáculo adequado para a recepção de luz divina e para a elevação espiritual.

 

Então no hermetismo o pneuma reflete influências do pensamento grego (particularmente a filosofia estóica e aristotélica), bem como de tradições egípcias, onde as ideias de sopro vital e luz divina desempenham papéis centrais. Essa visão intermediária do pneuma também influenciou o platonismo teúrgico, sendo uma base para o conceito do ochēma-pneuma.

 

O pneuma no hermetismo é o elemento que une os diferentes níveis da existência, sendo essencial para a compreensão da alma, do Cosmos e do caminho espiritual que conduz o retorno ao Uno. Ele é a chave para a regeneração e iluminação do ser humano, sendo tanto um reflexo quanto um agente da atividade divina no mundo.[19]

 

A partir dessa introdução segue uma definição técnica e abrangente do conceito de Ochēma-pneuma:[20]

 

Composição e natureza: O ochēma-pneuma é descrito como um corpo luminoso e etéreo, composto por pneuma, o quinto elemento na cosmologia aristotélica, frequentemente associado ao sopro de vida ou espírito vital, representando a própria vitalidade. Este corpo sutil não é totalmente imaterial nem completamente material, existindo como um intermediário entre os dois reinos. O ochēma-pneuma é na forma de um ovo de luz (augoeides), descrito como semelhante à luz e conectando-o à natureza luminosa das estrelas.

 

O veículo superior é geralmente chamado de augoeides pelos neoplatônicos e claramente relaciona a substância que este termo descreve à luz, embora ao mesmo tempo a distinga da luz como tal. A maioria dos neoplatônicos considerava a luz como a mais próxima das entidades imateriais e puramente noéticas. No comentário De Anima, atribuído a Simplicius, temos apenas um veículo da alma como uma única substância descrita por três termos: aitherodes (semelhante ao éter), augoeides (semelhante à luz) e pneumatikos (sendo feito de pneuma).[21]

 

Função e propósito: O ochēma-pneuma é o veículo que conecta a alma ao reino da geração durante sua corporificação. Ele atua como uma ponte, permitindo que a alma interaja tanto com o corpo físico quanto com mundo sensorial. É através do ochēma-pneuma que a alma experimenta sensações, emoções e imaginação.

 

Ochēma: veículo; um barco que transporta as almas dos mortos, a carruagem da alma no Fedrode Platão; por Aristóteles, ochēma é entendido como pneuma - a sede da imaginação (phantasia), análogo ao elemento do qual as estrelas são feitas; o ochēma-pneuma como um corpo astral funciona como um portador quase imaterial da alma irracional; os daimōnes têm um ochēma-pneuma nebuloso que altera sua forma em resposta às imaginações [dos homens] e, portanto, faz com que apareçam em formas sempre mutáveis; para Jâmblico, o veículo etéreo e luminoso (aitherodes kai augoeides ochēma) é o recipiente da phantasiai divina [i.e. inspirada e possuída pelos deuses]; ochēma carrega a alma para o estado de corporificação e é escurecido até se tornar totalmente material e visível: o corpo material ou carnal também é uma espécie de ochēma; Proclo distinguiu 1) o ochēma imaterial e luminoso superior no qual o Demiurgo de Platão coloca a alma (Timeu 41e) e 2) o ochēma inferior, pneumatikon, que é composto dos quatro elementos e serve como um veículo da alma irracional – ele sobrevive à morte corporal, mas finalmente é expurgado.[22]

[A] alma imaterial é imaginada como sendo transportada para o corpo material em um veículo (ochēma) que não é nem imaterial nem inteiramente material. Combinando a referência de Platão aos veículos visíveis das estrelas divinas e a designação de Aristóteles da substância das estrelas como o quinto elemento do pneuma, pensadores posteriores viam o veículo da alma como feito de pneuma, às vezes iluminado com luz como as estrelas e às vezes nublado e turvo com as manchas da matéria inferior. A carruagem da alma se tornará uma preocupação central para nosso filósofo ateniense em uma obra intitulada Fedro.[23]

 

Relação com a alma: O ochēma-pneuma está intimamente conectado à alma, atuando como seu instrumento para interagir com o reino da geração. O estado ou qualidade do ochēma-pneuma reflete o estado ou qualidade da alma. Pensamentos e ações impuros podem obscurecê-lo e sobrecarregá-lo, enquanto uma vida virtuosa o purifica e eleva.

 

Deuses invocados na teurgia penetraram no reino da geração, infundindo nele seus códigos de luz. Os teurgos incorporam esses deuses por meio da oração fervorosa e do ritual. É por meio de uma vida estética que eles entram em contato com os deuses. Longe de escapar do mundo da geração e do uso dos sentidos, o teurgo emprega a experiência estética como a necessidade necessária e o veículo através do qual esta deificação ocorre através do corpo sutil da Alma, o ochēma.[24]

 

Transformação pela teurgia: A teurgia tem um papel importante na purificação e refinamento do ochēma-pneuma. As práticas teúrgicas visam purificar o ochēma-pneuma das impurezas materiais e infundi-lo com luz divina (phōtagōgia), permitindo que ele se torne um veículo para a ascensão da alma (anagōgē) de volta ao reino espiritual. Esse processo envolve técnicas como orações, invocações, rituais e o uso de objetos simbólicos.

 

Enquanto que a essência do platonismo é que o Bem é a razão última da Alma encarnada no reino da geração, é seguro dizer que a essência do neoplatonismo é o retorno da Alma ao Bem, o que consiste em um trabalho duro sobre a própria Alma, sua salvação. Para nós neoplatônicos, portanto, a teurgia consiste em uma ferramenta de operação sobre a Alma através de seu veículo, o ochēma. Nesse caminho, ele cumpre três funções: 1. Abriga a Alma racional em sua descida do reino noético ao reino da geração; 2. Atua como o órgão da percepção dos sentidos e da imaginação; 3. Através dos rituais teúrgicos podem ser purificados e elevados aos reinos noéticos de luz e perfeição, um veículo para o retorno racional da Alma através do cosmos aos deuses. Essa doutrina está completamente exposta em Platão.[25]

[...] Das três funções do ochēma acima descritas, a terceira é a mais importante em nossa discussão, de que o veículo da Alma pode ser purificado e elevado aos reinos noéticos de luz e perfeição, transformando-se em um veículo para o retorno da Alma através do cosmos aos deuses. Tanto em Jâmblico como em Proclo abundam informações de como o ochēma retorna aos reinos noéticos de luz e perfeição.[26]

[Nos] Oráculos Caldeus parece claro que esse «sopro dos raios» deve significar o pneuma divino que está emanando da fonte suprema de luz. Como um efeito da inalação do pneuma, o veículo da alma (o ochēma) se torna iluminado, literalmente «tendo a aparência de luz». Os deuses agora tomaram posse dele e elevam a alma para cima. É isso que os autores da «Liturgia de Mitra» e dos Oráculos Caldeus estão nos dizendo, mas ainda ficamos no nível da descrição pura. Como devemos entender o que estamos lendo aqui? Para ser mais preciso: o que poderia estar acontecendo com o praticante convencido de que ela [as alma] estava realmente flutuando para cima no ar, entrou em um grande silêncio e viu os corpos celestes como seres vivos? Esta questão é o elefante na sala da erudição moderna sobre teurgia – quase sem exceção, mesmo os especialistas mais experientes e perceptivos a ignoram ou evitam. Este silêncio é ainda mais notável porque, pelo menos no caso da «Liturgia de Mitra», acontece que as chaves para uma solução plausível estão prontamente disponíveis. Vimos que os deuses apareceram ao teurgo «tomando posse» de seu veículo luminoso e ativando seus poderes imaginativos. Michael Psellos (que teve acesso a materiais que não possuímos mais) escreve que, de acordo com Proclo, o veículo é «fortalecido» (dunamōsomen) ou «purificado» (kathairesthai) por meio de «pedras, ervas e encantamentos».[27]

 

Divinação e teurgia: O ochēma-pneuma desempenha um papel crucial na divinação teúrgica. Ao purificar e elevar o ochēma-pneuma, os teurgos podem alcançar um estado de possessão divina, permitindo que as divindades se comuniquem através deles. O ochēma-pneuma é o receptor de phantasiai (imaginações) divinas, capacitando os teurgos a receber visões e mensagens do divino.

 

Existência pós-morte: o ochēma-pneuma sobrevive à morte do corpo físico. Seu destino após a morte depende do nível de sua purificação. Um ochēma-pneuma purificado pode ascender a reinos espirituais mais elevados, enquanto um impuro pode permanecer ligado à terra, sujeito às influências do reino da geração.

 


A importância do ochēma-pneuma no pensamento do platonismo teúrgico reside em seu papel como mediador entre a alma e o corpo, além de ser um elemento-chave na jornada da alma rumo à libertação espiritual. O ochēma-pneuma serve como um elo tangível entre os reinos material e imaterial, evidenciando a interconexão dessas duas dimensões da existência.

 

Na cultura afro-brasileira, que adotou um amplo campo semântico[28] derivado do espiritismo kardecista e da fisiologia oculta do Ocultismo Nova Era de Aquário,[29] o ochēma-pneuma foi chamado de perispírito, corpo etérico, aura, corpo áurico, corpo protoplasmático, corpo de iluminação, corpo búdico, corpo de diamante etc. Hanegraaff ao comentar a visão teosofista[30] de Rudolf Stainer (1861-1925)[31] sobre o corpo astral, ele o descreve com algumas das atribuições vistas anteriormente acerca do ochēma-pneuma. Ele diz:

 

O corpo astral é, por vezes, simplesmente referido como «a alma» e é aproximadamente equivalente à alma sensitiva de Aristóteles. Ele é a base para a interioridade e a subjetividade, dando origem a toda a gama de emoções e desejos, mas também a impulsos inconscientes.[32]

 

E fazendo um comentário acerca dos livros que compõem o do Corpus Hermeticum, Hanegraaff estabelece uma equivalência direta entre o ochēma-pneuma e o corpo astral moderno:

 

O C.H. X, intitulado A Chave, é uma discussão sobre alguns princípios básicos do hermetismo: Deus Pai como o Supremo Bem, a contemplação de Deus como um dom divino, a ignorância como o maior mal para a alma, o Cosmos imortal como o segundo nível de existência e o homem mortal como o terceiro. Este tratado é particularmente interessante devido à sua doutrina sobre a alma e seu destino após a morte (X, 13-25). O nous (mente) está encerrado dentro da razão (logos), a razão dentro da alma (psychè), a alma dentro do corpo astral (pneuma), que passa pelas veias, artérias e pelo sangue, e move o corpo carnal vivo. Na morte, o nous de uma alma piedosa veste sua própria veste de fogo e torna-se puro Nous, enquanto a alma ímpia precisa reencarnar em um novo corpo humano.[33]

 

Traçando um paralelo entre as argumentações filosóficas, herméticas e teúrgicas acerca do ochēma-pneuma na Antiguidade e as concepções modernas sobre o corpo astral, estabeleci semelhanças e diferenças.[34] Eles possuem similaridades notáveis, embora pertençam a contextos históricos e filosóficos diferentes. Ambos desempenham papéis fundamentais na mediação entre o corpo físico e o plano espiritual, funcionando como veículos para a experiência transcendente. As semelhanças são:

 

Natureza mediadora: O ochēma-pneuma é descrito como um corpo sutil, luminoso e composto de pneuma (ou sopro vital), que age como um intermediário entre a alma imortal e o corpo material. Ele permite que a alma interaja com o mundo físico sem perder sua conexão com o divino.

 

O corpo astral, por sua vez, é considerado o veículo da alma no plano astral, uma dimensão sutil onde ocorrem experiências emocionais, desejos e impulsos inconscientes. Ele também atua como ponte entre o físico e o espiritual.

 

Ligação com a emoção e a subjetividade: No ochēma-pneuma, encontram-se elementos ligados à percepção, sensibilidade e emoção. Ele reflete a pureza ou impureza da alma e pode ser elevado ou obscurecido dependendo da vida ética e ritualística do indivíduo.

 

O corpo astral, por sua vez, é a sede das emoções, desejos e instintos. Ele é descrito como a fonte de subjetividade e de estados emocionais intensos, sendo influenciado por impulsos inconscientes.

 

Purificação e elevação: No platonismo teúrgico o ochēma-pneuma pode ser purificado por meio da teurgia, permitindo que a alma ascenda às esferas superiores e se aproxime do Uno. Essa purificação envolve práticas rituais, oração e ascese.

 

O corpo astral moderno também pode ser refinado ou purificado por meio de práticas espirituais, como meditação e exercícios de autotransformação, o que permite uma conexão mais clara com planos espirituais elevados.

 

Conexão com a luz: O ochēma-pneuma é frequentemente descrito como um augoeides (ovo luminoso) no estágio mais elevado de sua purificação, simbolizando sua consistência indestrutível a segunda morte,[35] permitindo a deificação da alma, quando ela conquista sua apoteose. O corpo astral é frequentemente associado à luz ou ao brilho, a assinatura astral da alma, representando sua essência espiritual.

 

As diferenças, por outro lado, são:

 

Contexto filosófico vs. esotérico: O ochēma-pneuma é um conceito profundamente filosófico, desenvolvido dentro do platonismo teúrgico, i.e. completamente alinhado à teurgia, com ênfase na ascensão espiritual e na relação com o Uno. O corpo astral, por outro lado, é um conceito central do esoterismo moderno, influenciado por tradições ocultistas, teosóficas e religiosas, com foco em fenômenos psíquicos e experiências extracorpóreas.

 

Ênfase no uso ritualístico: O ochēma-pneuma é central nos rituais teúrgicos, sendo transformado pela invocação divina e pela prática dos mistérios. O corpo astral é frequentemente explorado em práticas como viagens astrais, sonhos lúcidos ou as experiências que envolvem o conceito de mediunidade, enfatizando a experiência direta no plano sutil.

 

Função e localização: No platonismo teúrgico, o ochēma-pneuma é essencialmente um veículo da alma, vinculado à cosmologia específica de esferas e níveis de existência. No esoterismo moderno, o corpo astral é visto como parte de uma hierarquia de corpos (físico, etérico, astral, mental etc.) que compõem o ser humano.

 

Embora pertencentes a tradições e épocas diferentes, o ochēma-pneuma e o corpo astral representam concepções convergentes sobre a mediação entre o físico e o espiritual. Ambos destacam a importância de um veículo sutil para a ascensão da alma e para experiências transcendentais, refletindo a universalidade da busca humana por compreensão e integração entre os diferentes aspectos da existência.

 

No que concerne as diferenças, a cabalá crioula foi profundamente influenciada pelas concepções modernas de corpo astral. Essa obra dará ênfase ao ochēma-pneuma como desenvolvido pelo platonismo teúrgico, evitando as concepções modernas sobre o corpo astral. No Capítulo A Phōtagōgia na Teurgia & na Cabalá Crioula, nos debruçaremos sobre uma comparação entre as técnicas do platonismo teúrgico de indução da luz dos deuses para dentro do ochēma-pneuma com as práticas psicofisiológicas do tantra como o prāṇa-vidyā. Por meio dessa comparação desenvolvemos exercícios rituais para o fortalecimento e o enriquecimento do ochēma-pneuma na cabalá crioula.

 

 

 

 

NOTAS:

[1] John F. Finamore. Iamblichus and the Theory of the Vehicle of the Soul. Scholars Press, 1985, pp. 1.

[2] O termo neoplatonismo não foi usado pelos próprios filósofos associados a essa tradição. Ele surge posteriormente, no Séc. XIX, como uma classificação historiográfica criada por estudiosos para descrever a filosofia desenvolvida a partir de Platão por pensadores como Plotino, Porfírio, Jâmblico, Proclo e outros, que floresceram entre os Sécs. III e VI d.E.C. O conceito de neoplatonismo tem suas raízes em Alexandria, no Egito, no contexto do mundo greco-romano. Foi em Alexandria que Plotino, considerado o fundador do neoplatonismo, começou seus estudos com seu mestre Amônio Sacas (175-242 d.E.C.)* e posteriormente levou suas ideias para Roma, onde estabeleceu uma escola filosófica. Esse movimento filosófico é uma interpretação e expansão das ideias de Platão, fundindo elementos de sua filosofia com influências de religiões e filosofias orientais, bem como do estoicismo e do aristotelismo. O neoplatonismo foi particularmente influente no final da Antiguidade e desempenhou um papel crucial na formação do pensamento cristão, judaico e islâmico medieval. Portanto, o termo em si foi cunhado tardiamente para descrever uma tradição filosófica que começa com Plotino no Séc. III e se desenvolve em centros como Alexandria, Atenas e posteriormente em Bizâncio. Para este livro estarei abolindo o termo neoplatonismo, fora as citações de autores especialistas, assumindo platonismo místico para a filosofia de Plotino, Porfírio e posteriormente Dionísio Areopagita,** e platonismo teúrgico para a filosofia de Jâmblico e Proclo.

* Amônio Sacas, filósofo alexandrino, é amplamente reconhecido como o fundador da escola neoplatônica em Alexandria e o mestre de Plotino, o principal sistematizador dessa tradição. Sua vida é envolta em mistério, já que nenhum de seus escritos sobreviveu, e quase tudo que se sabe sobre ele deriva de seus discípulos. Amônio nasceu em uma família cristã, mas é dito ter abandonado o cristianismo para seguir o caminho da filosofia pagã, embora algumas fontes sugiram que ele tentou reconciliar elementos das duas tradições. Sua filosofia era baseada em uma interpretação espiritual e mística de Platão, combinada com influências estoicas e aristotélicas. Apesar de sua influência marcante sobre o desenvolvimento do neoplatonismo, Amônio permaneceu uma figura reservada, optando por transmitir seus ensinamentos exclusivamente de forma oral, conforme relatado por seus seguidores como Plotino e Porfírio.

** Pseudo-Dionísio Areopagita (Sécs. V-VI d.E.C.) é o nome dado ao autor anônimo de um influente corpus teológico e místico cristão, composto por obras como A Hierarquia Celestial, A Hierarquia Eclesiástica, Os Nomes Divinos e As Epístolas. Esses textos, escritos em grego, combinam elementos do neoplatonismo com doutrinas cristãs e exerceram grande impacto na teologia medieval, especialmente nas tradições escolástica e mística. O autor adotou o nome de Dionísio Areopagita, o convertido de São Paulo mencionado em Atos 17:34, para dar autoridade espiritual aos seus escritos. O Pseudo-Dionísio provavelmente viveu na Síria durante o final do Séc. V ou início do VI, mas sua identidade real permanece desconhecida. A data de seu nascimento e morte não é registrada, mas ele é frequentemente associado ao período posterior à influência do neoplatonismo de Proclo e antes da consolidação do cristianismo bizantino.

[3] Algis Uždavinys. Philosophy as a Rite of Rebirth: From Ancient Egypt to Neoplatonism. The Prometeus Trust, 2008, pp. 70.

[4] Platão. Diálogos Vol. V. Edipro, 1014, pp. 102-3.

[5] Platão. Diálogos Vol. III. Edipro, 2015, pp. 268-9.

[6] Citado em John F. Finamore. Iamblichus and the Theory of the Vehicle of the Soul. Scholars Press, 1985, pp. 2.

[7] Ibidem, pp. 3.

[8] Ibidem.

[9] Porfírio não é lembrado pela filosofia que produziu, mas pela organização dos escritos de Plotino e pelos embates que travou com Jâmblico acerca da teurgia. Nascido em Tiro, na Fenícia (atual Líbano), e discípulo de Plotino, a quem ajudou a organizar e sistematizar os escritos, publicando-os como as Enéadas, sua obra abrangeu temas diversos, como filosofia, ética, teurgia e religião, com ênfase na busca pela elevação espiritual e pela libertação da alma do mundo material. Para muitos, Porfírio foi o continuador da filosofia proposta por Plotino, não alterando em absolutamente nada seus ensinamentos. Porfírio também é conhecido por suas críticas ao cristianismo e por seus estudos em lógica e metafísica, influenciando profundamente o pensamento dos platonismos místico e teúrgico, e os debates filosóficos da Antiguidade tardia. Sua influência foi crucial para o desenvolvimento da teurgia e das ideias sobre a alma e o Cosmos nos platonismos.

[10] Ibidem, pp. 4.

[11] Veja Jâmblico. De Mysteriis. Livro II, Verso 11. Polar, 2024, pp. 188-90.

[12] Diógenes Laércio foi um escritor e biógrafo grego, nascido possivelmente no Séc. III d.E.C., cuja data exata de nascimento e morte é desconhecida. Ele é famoso por sua obra Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, uma compilação de biografias e pensamentos de filósofos gregos desde os pré-socráticos até o período helenístico. Sua obra é uma das principais fontes de informações sobre muitos filósofos cujas obras originais se perderam. Embora sua vida pessoal permaneça envolta em mistério, seu trabalho é amplamente reconhecido pela mistura de anedotas, biografia e filosofia, sendo considerado um marco na historiografia filosófica.

[13] Citado em Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia. WWF, 2018, pp. 893.

[14] Ibidem.

[15] Giordano Bruno foi um filósofo, teólogo, astrônomo e escritor italiano, nascido em Nola, no Reino de Nápoles. Ele é amplamente conhecido por suas ideias inovadoras sobre o universo infinito e a multiplicidade dos mundos, que desafiavam a visão geocêntrica e dogmática da Igreja Católica na época. Influenciado pelo hermetismo e pelo pensamento dos platonismos místico e teúrgico, Bruno combinou misticismo e ciência, defendendo uma cosmologia em que o universo era infinito e repleto de vida. Suas ideias, consideradas heréticas, levaram a um longo julgamento pela Inquisição, culminando com sua condenação e execução na fogueira em Roma. Giordano Bruno permanece como um símbolo de liberdade intelectual e coragem frente à opressão religiosa.

[16] Tomás de Aquino foi um filósofo, teólogo e frade dominicano italiano, nascido no castelo de Roccasecca, no Reino da Sicília, atual Itália. Reconhecido como um dos mais influentes pensadores da filosofia escolástica, ele integrou a teologia cristã com os princípios da filosofia aristotélica, desenvolvendo uma síntese profunda entre fé e razão. Sua obra mais célebre, a Summa Theologiae, aborda questões fundamentais da existência de Deus, ética, e a natureza humana. Doutor da Igreja e canonizado em 1323, Tomás é considerado o patrono das universidades e faculdades católicas. Ele faleceu a caminho do Concílio de Lyon, no mosteiro de Fossanova, deixando um legado que moldou profundamente o pensamento teológico e filosófico ocidental.

[17] Citado em Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia. WWF, 2018, pp. 893.

[18] Aqui se inicia um excerto da lição Hermetismo do seminário on-line Curso de Filosofia Oculta, ministrado por mim em 2019.

[19] Aqui encerra o excerto do Curso de Filosofia Oculta.

[20] O autor que melhor introduz, aprofunda e sintetiza a ideia de ochēma-pneuma é John F. Finamore. Iamblichus and the Theory of the Vehicle of the Soul. Scholars Press, 1985. A maior parte da pesquisa sobre este tema neste livro se concentra nessa obra clássica de Finamore.

[21] Algis Uždavinys. Philosophy as a Rite of Rebirth: From Ancient Egypt to Neoplatonism. The Prometeus Trust, 2008, pp. 70.

[22] Ibidem, pp. 312.

[23] P.D. Newman. Theurgy: Theory & Practice. Inner Traditions, 2024, pp. 232.

[24] Fernando Liguori. Daemonium: Curso de Filosofia Oculta. Clube de Autores, 2019, pp. 428.

[25] Ibidem, pp. 438-9.

[26] Ibidem, pp. 444.

[27] Wouter J. Hanegraaf. Hermetic Spirituality and the Historical Imagination. Cambridge University Press, 2022, pp. 37.

[28] Veja o ensaio Possessão Divina & Incorporação Mediúnica, nesse livro.

[29] Wouter J. Hanegraaff em sua obra New Age Religion and Western Culture: Esotericism in the Mirror of Secular Thought (Brill, 2001), analisa o movimento da Nova Era como uma manifestação contemporânea do esoterismo ocidental. Ele argumenta que a Nova Era representa uma forma secularizada de esoterismo, adaptada ao contexto moderno e influenciada por processos de racionalização e secularização. Hanegraaff identifica que, embora a Nova Era incorpore elementos tradicionais do esoterismo, como a crença em correspondências simbólicas e uma visão animista do Cosmos, ela também reflete uma tentativa de reconciliar espiritualidade com ciência e modernidade. Dessa forma, o Ocultismo Nova Era de Aquário é visto como uma reinterpretação e adaptação das tradições esotéricas às condições culturais e intelectuais contemporâneas. Para um resumo do esoterismo ocidental e sua relação com a Quimbanda e este tipo de Ocultismo Nova Era, veja Fernando Liguori. Wanga: o Segredo do Diabo. Clube de Autores, 2024.

[30] Aqui trabalho com a distinção de Antonie Faivre (1934-2021)* entre teosofia e teosofismo, conceitos que, apesar de relacionados, possuem nuances distintas. A teosofia se trata de uma corrente espiritual e filosófica que busca a sabedoria divina (theos + sophia) por meio de uma abordagem especulativa e intuitiva, que conecta o humano ao divino. A teosofia caracteriza-se por uma visão do Cosmos como um sistema orgânico vivo, repleto de correspondências e relações simbólicas que refletem a unidade entre o microcosmo e o macrocosmo. Essa tradição enfatiza o papel do homem como mediador e cocriador, dotado de um potencial espiritual para compreender as leis divinas e promover a harmonização com o universo. Diferente de uma religião institucionalizada, a teosofia combina elementos de misticismo, esoterismo e filosofia, valorizando a revelação interior e a síntese de conhecimentos de diversas tradições espirituais. A teosofia refere-se a uma corrente espiritual e filosófica de longa tradição, que remonta a figuras como Jakob Böhme (1575-1624)** e Louis-Claude de Saint-Martin (1743–1803).***

Teosofismo é o termo que designa, mais especificamente, o movimento teosófico moderno fundado por Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891)+ no final do Séc. XIX, com a Sociedade Teosófica. O teosofismo possui características próprias, como um sistema estruturado de crenças, influências do hinduísmo e budismo, e a ideia de evolução espiritual progressiva através de reencarnações. Trata-se de uma forma institucionalizada da teosofia, que consolidou ideias esotéricas em um movimento organizado e global.

Enquanto a teosofia abrange um campo mais amplo de pensamento espiritual e filosófico dentro da tradição esotérica ocidental, o teosofismo se refere a um movimento histórico e específico, com suas próprias doutrinas e práticas.

* Antoine Faivre (5 de junho de 1934 – 19 de dezembro de 2021) foi um renomado historiador e pesquisador francês, amplamente reconhecido como uma das principais autoridades no estudo do esoterismo ocidental. Professor na École Pratique des Hautes Études, na Sorbonne, ele foi pioneiro na legitimação acadêmica do esoterismo como um campo de estudo, sistematizando-o com seis características fundamentais, como correspondências e transmutação imaginal. Autor de obras influentes, como Access to Western Esotericism e Theosophy, Imagination, Tradition, Faivre dedicou-se a explorar tradições místicas e filosóficas, incluindo a teosofia, a alquimia e o hermetismo. Seu trabalho estabeleceu uma base metodológica rigorosa para o estudo acadêmico do esoterismo, tornando-o uma referência incontornável no campo.

** Jakob Böhme (1575 – 17 de novembro de 1624) foi um filósofo e místico alemão, amplamente considerado um dos principais pensadores espirituais do cristianismo esotérico e um precursor do movimento pietista. Nascido em Alt Seidenberg, próximo a Görlitz, na Saxônia, ele trabalhou como sapateiro antes de ter visões místicas que moldaram sua compreensão única sobre a relação entre Deus, a criação e o homem. Suas obras, como Aurora e Os Três Princípios da Essência Divina, exploram temas de teosofia, a interação entre luz e escuridão, e a ideia de Deus como uma unidade dinâmica em constante evolução. Embora enfrentasse resistência das autoridades religiosas por suas ideias consideradas heterodoxas, Böhme influenciou profundamente o pensamento esotérico e filosófico, deixando um legado que ressoou em movimentos espirituais e intelectuais posteriores, incluindo o romantismo alemão. Ele faleceu em Görlitz, deixando um impacto duradouro na teologia e no esoterismo cristão.

*** Louis-Claude de Saint-Martin (18 de janeiro de 1743 – 13 de outubro de 1803) foi um filósofo, místico e escritor francês, conhecido como «O Filósofo Desconhecido» (Le Philosophe Inconnu), título que adotou para publicar grande parte de suas obras. Nascido em Amboise, Saint-Martin foi inicialmente advogado e militar antes de se dedicar ao estudo do misticismo cristão e do esoterismo. Tornou-se um seguidor de Martinez de Pasqually (1831-1891), fundador do Martinezismo, e depois desenvolveu sua própria filosofia espiritual, que enfatizava a introspecção e a comunhão direta com o Divino, sem a necessidade de rituais externos. Ele escreveu várias obras influentes, incluindo O Homem de Desejo e Dos Erros e da Verdade. Saint-Martin é frequentemente associado ao Martinismo, um movimento espiritual que surgiu após sua morte, influenciado por seus escritos e ideias. Ele faleceu em Aulnay, próximo a Paris, deixando um legado significativo no pensamento esotérico e místico ocidental.

+ Helena Petrovna Blavatsky (31 de julho de 1831 – 8 de maio de 1891) foi uma filósofa, escritora e ocultista russa, cofundadora da Sociedade Teosófica e uma das figuras mais influentes do esoterismo moderno. Nascida em Ekaterinoslav, no Império Russo (atual Dnipro, Ucrânia), Blavatsky viajou extensivamente por diversos países, incluindo Índia, Tibete e Egito, onde teria se aprofundado em tradições espirituais e místicas. Em 1875, fundou a Sociedade Teosófica ao lado de Henry Steel Olcott (1832-1907) e William Quan Judge (1851-1896), promovendo a busca pela sabedoria divina, a união de religiões, filosofias e ciências, e o estudo comparativo das tradições espirituais. Autora de obras fundamentais como Ísis sem Véu (1877) e A Doutrina Secreta (1888), Blavatsky influenciou profundamente o pensamento esotérico ocidental, ao divulgar conceitos como karma, reencarnação e os Mestres Ascensionados. Faleceu em Londres, deixando um legado controverso, mas essencial para o desenvolvimento do ocultismo contemporâneo.

[31] Rudolf Steiner foi um filósofo, educador, esoterista e fundador da antroposofia, uma corrente espiritual que busca integrar ciência, arte e espiritualidade. Nascido em 25 de fevereiro de 1861, em Kraljevec, no Império Austro-Húngaro (hoje parte da Croácia), Steiner mostrou desde cedo interesse por filosofia e ciência, o que o levou a estudar na Universidade Técnica de Viena. Durante sua vida, ele desenvolveu a pedagogia Waldorf, a agricultura biodinâmica e contribuiu para as artes por meio da euritmia e do teatro. Sua obra filosófica e espiritual inclui marcos como A Filosofia da Liberdade e seu trabalho como líder da Sociedade Antroposófica. Steiner faleceu em 30 de março de 1925, em Dornach, Suíça, deixando um legado que continua a influenciar diversas áreas do pensamento e da prática espiritual contemporânea.

[32] Wouter J. Hanegraaff. Dictionary of Gnosis & Western Esotericism. Brill, 2006, pp. 83.

[33] Ibidem, pp. 491.

[34] As fontes para essa pesquisa sobre o corpo astral aqui são: Wouter J. Hanegraaff. Dictionary of Gnosis & Western Esotericism. Brill, 2006. Helena P. Blavatsky. Glossário Teosófico. Ground, 2020. Aleister Crowley. Magick: Book Four – Liber Aba. Wiser Books, 2008. Marcelo Ramos Motta. A Canção Perdida: Rituais, Instruções & Ensaios. Daemon Editora, 2021. Karl Germer. Selected Letters 1928-1962. Temple of Silver Star, 2016. Phyllis Seckler. The Thoth Tarot, Astrology & Other Selected Writings. Temple of Silver Star, 2017. The Kabbalah, Magick and Thelema. Temple of Silver Star, 2020. Peregrin Wildoak. By Name and Images: Bringing the Golden Dawn to Life. Skylight Press, 2012.

[35] O conceito de segunda morte é encontrado em tradições religiosas e esotéricas, antigas e modernas, frequentemente associado à aniquilação ou separação definitiva da alma com seu veículo pneumático, que é destruído ou fragmentado após a morte. Na deificação da alma o veículo pneumático torna-se um augoeides luminoso indestrutível a segunda morte. No cristianismo, especialmente no Apocalipse de João, a segunda morte é descrita como o destino das almas ímpias, lançadas no lago de fogo após o juízo final, indicando a condenação eterna. Em tradições esotéricas modernas como no teosofismo, a segunda morte pode ser interpretada como a dissolução completa do ego inferior, permitindo que apenas os aspectos espirituais mais elevados ascendam ao divino. Em ambos os contextos, o termo reflete uma experiência de julgamento e transformação, marcando a diferença entre uma continuidade espiritual plena (apoteose ou deificação) e a destruição de um estado de ser considerado imperfeito ou desviante.

 
 
 

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