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SEGREDOS DO DIABO: DAEMONIUM & WANGA

Foto do escritor: Fernando LiguoriFernando Liguori


 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago

 

 

Este texto é uma coleção de postagens que fiz no Instagram acerca de muitos tópicos tratados nos livros Daemonium: a Quimbanda & a Nova Síntese da Magia e no Wanga: o Segredo do Diabo. Como estes existem muitos outros que em breve serão disponibilizados aqui.

 

 

DEFININDO A GOÉCIA E O DIABO NA QUIMBANDA

 

No contexto da Quimbanda, o conceito de goécia é definido como um estado de ser no qual o praticante alcança uma conexão visceral com os espíritos do Cosmos. Estes dois livros demonstram que na Quimbanda todos os espíritos do Cosmos – incluindo espíritos da natureza, espíritos dos mortos, almas deificadas e divindades – são considerados diabos ou demônios. Portanto, a Quimbanda é concebida no nosso imaginário cultural como uma forma brasileira de goécia, de inclinação iconográfica diabólica.

 

Na Quimbanda, o Diabo assume um papel complexo e multifacetado, distinto do demônio associado ao mal absoluto na tradição cristã. Essa figura é profundamente influenciada pelo simbolismo do Romantismo europeu, onde o Diabo passa a ser visto como um símbolo de rebeldia, liberdade e oposição ao conformismo imposto pela moral e religião da sociedade. No Romantismo, o Diabo representa a força indomada, a busca por conhecimento proibido e o questionamento das normas estabelecidas. Ele é o arquétipo do espírito livre e transgressor, que desafia a ordem vigente e explora os mistérios ocultos do mundo e da alma.

 

A Quimbanda incorpora essa visão do Diabo ao posicioná-lo como uma força telúrica e cósmica, intimamente ligada aos segredos da natureza e ao poder da magia. O Diabo na Quimbanda não é uma figura exclusivamente maligna, mas sim uma energia amoral, primordial e poderosa, que representa tanto a criação quanto a destruição. Ele é o Chefe Império Maioral, o governante das encruzilhadas, onde o sagrado e o profano se encontram, e onde a dualidade da existência é plenamente experimentada.

 

Esse Diabo romântico, reimaginado pela Quimbanda, representa o conhecimento proibido e o domínio sobre as forças sublunares, semelhante ao Fausto que faz um pacto para obter sabedoria e poder. Assim como no Romantismo, onde o Diabo é um símbolo de transcendência e de resistência contra o dogmatismo, na Quimbanda ele é uma força de emancipação e domínio sobre as forças da vida e da morte, auxiliando os kimbandas a moldarem seus destinos com liberdade e soberania.

 

Goécia é um termo grego que se refere a uma tradição de feitiçaria focada na necromancia, ou seja, a prática de comunicação com os espíritos dos mortos para fins mágicos. Essa tradição está enraizada na religião grega antiga e está especialmente relacionada com a veneração de ancestrais e deidades ctônicas associadas ao Submundo.

 

Os antigos gregos acreditavam na presença ativa dos mortos no mundo dos vivos e buscavam se comunicar com eles por meio de oferendas e rituais, visando obter proteção, orientação e assistência mágica. A Quimbanda como goécia brasileira, compartilha práticas fundamentais com a tradição grega antiga, como a realização de pactos com espíritos, a mediação espiritual e a veneração dos Exus, que são mortos deificados.

 

Ambos os sistemas reconhecem a importância de oferendas e alianças com espíritos tutelares. Na Quimbanda, os Exus e Pombagiras atuam como guias e protetores, semelhantes aos daimōnes e entidades ctônicas da Grécia antiga.

 

Os livros destacam a Quimbanda como uma continuidade das práticas da goécia grega, adaptadas e atualizadas para a cultura brasileira. Essa adaptação envolve a integração de elementos das tradições africanas e indígenas, mantendo-se fiel ao princípio central de manipulação das forças sublunares e da Alma do Mundo. Através do sincretismo presente na figura de São Cipriano, a Quimbanda absorve e transforma práticas europeias de goécia já demonizadas, em seu próprio sistema mágico. Como resultado, a Quimbanda emerge como uma forma viva e em constante evolução de goécia, onde o poder da magia ancestral se manifesta nas encruzilhadas do Brasil.

 

CONEXÕES ENTRE O DIABO NA QUIMBANDA E O ROMANTISMO

 

A Quimbanda, como prática espiritual e sistema mágico, possui uma relação complexa e multifacetada com a figura do Diabo, vista não apenas como uma entidade opositora das convenções, mas também como uma representação de poder e liberdade. Essa visão do Diabo na Quimbanda encontra ressonância no movimento Romântico que, no Séc. XIX, reinterpretou o Diabo como um símbolo de rebeldia e individualidade contra os dogmas e restrições da sociedade.

 

Abaixo segue um resumo das conexões entre o Diabo da Quimbanda e o Diabo do Romantismo, destacando como essa tradição espiritual brasileira, marcada pela figura de Exu, abraça uma visão do Diabo que transcende o bem e o mal. Veremos como as influências do Ocultismo europeu, especialmente através de Eliphas Levi e sua ideia do agente mágico universal, foram incorporadas na Quimbanda por Aluízio Fontenelle, redefinindo o papel de Exu e do próprio Diabo como agentes de transformação. O texto também examina o simbolismo do pacto de sangue na Quimbanda, compreendido como uma integração com os aspectos sombrios e primitivos da natureza humana, algo que ecoa fortemente no ideal romântico de aceitação e poder sobre a própria sombra.

 

A partir dessas relações, compreenderemos como a Quimbanda não apenas adota, mas reinterpreta a figura do Diabo de modo a inspirar um caminho de autoconhecimento e emancipação espiritual, desafiando as imposições da moralidade convencional e convidando os praticantes a explorar as profundezas de seu ser.

 

Exu como uma figura complexa: Exu é uma entidade complexa frequentemente associada ao Diabo. Embora as interpretações iniciais, influenciadas pelo catolicismo, o tenham retratado como uma figura puramente maléfica, os praticantes de Quimbanda o veem como uma força da natureza, que incorpora aspectos tanto criativos quanto destrutivos. Essa percepção se alinha à visão romântica do Diabo como um ser poderoso e multifacetado, capaz de atos bons e maus, transcendendo as simplificações morais.

 

O Diabo como símbolo de rebeldia e poder: A aceitação do Diabo na Quimbanda é, em parte, uma reação contra as estruturas opressivas do colonialismo e a imposição forçada do cristianismo. Similarmente aos personagens literários românticos que celebravam o Diabo como um símbolo de rebeldia contra as normas sociais e o dogma religioso, a Quimbanda vê Exu como um libertador, desafiando as restrições da moralidade convencional e capacitando os indivíduos a abraçarem sua verdadeira natureza.

 

A Influência de Eliphas Levi: Aluízio Fontenelle, figura chave na formação da Quimbanda moderna, foi profundamente influenciado pelo ocultista francês Eliphas Levi. Levi, cuja obra construiu pontes entre a magia tradicional e os ideais românticos, apresentou uma compreensão complexa do Diabo, incorporando elementos da cabalá, alquimia e cristianismo esotérico. A síntese de Fontenelle entre a Quimbanda e as ideias de Levi reforçou a conexão entre o Diabo na Quimbanda e a noção romântica de uma força poderosa e transformadora que opera fora dos padrões religiosos convencionais.

 

O Diabo como agente mágico universal: Fontenelle adotou o conceito de Levi do agente mágico universal, uma força vital universal ou luz astral, associando-o a Exu. Essa conexão reforça a ideia de que o Diabo na Quimbanda, assim como no pensamento romântico, não é simplesmente uma entidade maléfica, mas uma força fundamental que impulsiona a criação e a transformação.

 

Simbolismo do pacto de sangue: O pacto de sangue, um elemento central na iniciação na Quimbanda, representa uma conexão profunda com Exu, mas embora muitas vezes interpretado literalmente como um pacto com o Diabo, a conexão é simbólica. No contexto do Romantismo, o pacto de sangue representa uma aceitação consciente de seu lado sombrio, um pacto com os aspectos mais primitivos e sombrios da natureza humana.

 

A Quimbanda é uma tradição que incorpora elementos do pensamento romântico, especialmente em sua compreensão do Diabo como uma força poderosa e multifacetada que opera fora da moralidade convencional. Ao abraçar o Diabo, os praticantes de Quimbanda, assim como os artistas e escritores românticos antes deles, desafiam normas sociais e dogmas religiosos, buscando acessar uma fonte mais profunda e primordial de poder e autoconhecimento.

 

Concluir uma análise das conexões entre o Diabo na Quimbanda e o Romantismo é reconhecer a profunda ressonância entre a busca romântica pela verdade interior e a prática espiritual da Quimbanda. Assim como o Romantismo celebrou o poder da individualidade e da rebeldia, a Quimbanda abraça Exu como um símbolo de autonomia e transformação, uma entidade que desafia as limitações impostas pelas convenções morais. A figura de Exu, com sua natureza dual e suas capacidades tanto criativas quanto destrutivas, espelha o ideal romântico de uma força que transcende o simples bem ou mal e se coloca como um caminho de autoconhecimento profundo.

 

Essa tradição espiritual enriquece-se ainda mais ao dialogar com as influências do Ocultismo europeu, como evidenciado pela apropriação dos conceitos de Eliphas Levi, e ao adotar o simbolismo do pacto de sangue. Tais práticas elevam o caminho da Quimbanda a uma jornada que exige coragem para explorar as sombras da alma, onde o praticante é convidado a confrontar e integrar seus aspectos mais primitivos. Assim, ao fim, a Quimbanda emerge como um verdadeiro canto de resistência espiritual, um espaço onde o poder e a liberdade se entrelaçam para criar uma via única de emancipação, autenticidade e profunda conexão com o eu e com o sagrado.

 

QUIMBANDA: A NOVA SÍNTESE DA MAGIA

 

Os livros descrevem a Quimbanda como o exemplo principal da nova síntese da magia, que envolve a integração e revitalização da magia cerimonial ocidental através de técnicas preservadas nas tradições afro-diaspóricas. Essa síntese é particularmente evidente na mistura única da Quimbanda de práticas africanas, europeias e indígenas.

 

Aluízio Fontenelle, uma figura-chave no desenvolvimento da Quimbanda, é creditado por unir a Quimbanda às tradições ocultistas ocidentais ao associar os Exus aos demônios do Grimorium Verum. Essa conexão enfatiza o caráter sincrético da Quimbanda, que funde tradições africanas com a demonologia europeia e conceitos de Diabo derivados do Romantismo.

 

O Livro de São Cipriano atuou como um catalisador para esse sincretismo, criando um sistema único de magia brasileira. O papel da Quimbanda na nova síntese da magia posiciona-a como uma força significativa no Ocultismo contemporâneo, potencialmente atraindo novos praticantes e promovendo uma compreensão mais ampla da tradição.

 

A Quimbanda originou-se como um subproduto da busca da Umbanda por legitimidade social, preservando e refinando a magia fetichista africana que a Umbanda buscava purgar. Tornou-se um sistema de magia sob Fontenelle, que foi fortemente influenciado pelas concepções mágicas de Eliphas Levi e pela cultura ocultista francesa do final do século XIX.

 

A Quimbanda utiliza um sistema mágico que harmoniza com a busca universal do mago, incluindo a preparação com o papel do mestre, o encontro com o mestre que transmite o segredo da magia, a oferta de serviços mágicos e a transformação em um mestre que ensina outros o segredo da magia.

 

Esses aspectos da Quimbanda mostram sua capacidade de se adaptar, integrar novos elementos e evoluir, tornando-a uma força vital na magia contemporânea. Como discutido anteriormente, a Quimbanda é vista como uma forma brasileira de goécia. Essa conexão fortalece ainda mais o vínculo da Quimbanda com a nova síntese da magia, pois ambas recorrem e revitalizam antigas tradições mágicas.

 

CONECTANDO A QUIMBANDA E O GRIMORIUM VERUM

 

Wanga e Daemonium descrevem uma conexão profunda entre a Quimbanda e o Grimorium Verum. Essa conexão é atribuída principalmente a Aluízio Fontenelle, uma figura-chave no desenvolvimento da Quimbanda, que sintetizou os diabos do Grimorium Verum com os Exus da Macumba.

 

Os livros demonstram que a Quimbanda é uma forma de necromancia porque envolve contato ritual com os espíritos dos mortos. Mas também é considerada nigromancia porque, após a síntese de Fontenelle, os rituais da Quimbanda passaram a incorporar o contato com os diabos do Grimorium Verum, um manual de magia demonológica e pactos diabólicos do Séc. XVIII. Fontenelle é reconhecido como o primeiro ocultista brasileiro a vincular a Quimbanda explicitamente com a corrente demonológica do Grimorium Verum, conectando os Exus com seus respectivos demônios.

 

Essa síntese é apresentada como um momento crucial na evolução da Quimbanda, pois uniu as tradições europeias de magia cerimonial à feitiçaria popular que define o culto de Exu no Brasil. A influência do Grimorium Verum na Quimbanda é mais evidente nos seguintes aspectos:

 

Demonologia e Hierarquia: O Grimorium Verum, com sua demonologia detalhada, influenciou a maneira como certos espíritos são categorizados e compreendidos dentro da Quimbanda. A estrutura hierárquica dos demônios no Grimorium Verum também influenciou a organização dos Exus e Pombagiras na Quimbanda.

 

Pactos e Oferendas: Tanto a Quimbanda quanto o Grimorium Verum enfatizam a importância de fazer pactos com espíritos e oferecer-lhes tributos apropriados. O Grimorium Verum descreve explicitamente os termos de tais pactos para garantir a cooperação dos demônios. Essa prática é espelhada na Quimbanda, onde pactos e oferendas com Exus e Pombagiras são essenciais para o trabalho mágico.

 

Magia Sublunar: Tanto a Quimbanda quanto o Grimorium Verum são considerados sistemas de magia sublunar, operando no reino abaixo da lua, um espaço associado aos elementos, à terra e às forças ctônicas. Os espíritos da Quimbanda, como os demônios do Grimorium Verum, são considerados inteligências terrestres habitando os reinos sublunares do Inferno (ctônico), Terra (telúrico) e Céu (aéreo).

 

Integração na Cultura Brasileira: A adoção dos espíritos do Grimorium Verum como contrapartes sincréticas dos Exus demonstra uma integração bem-sucedida das tradições mágicas europeias na cultura brasileira. Essa integração, facilitada pela síntese de Fontenelle, ajudou a moldar uma forma única e poderosa de magia brasileira.

 

O CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL DESSA CONEXÃO

 

A chegada do conhecimento de bruxaria ibérica ao Brasil está ligada ao exílio de bruxas ibéricas durante a Inquisição Portuguesa. Esses indivíduos trouxeram consigo os segredos da magia europeia medieval, que foram posteriormente codificados em edições de O Livro de São Cipriano que surgiram a partir do Séc. XIX. Essas edições, fortemente influenciadas por manuais como o Grimorium Verum e o Veritable Magie Noir, estabeleceram as bases para a rica demonologia e a imagética diabólica característica da Quimbanda.

 

O influxo do Ocultismo francês no final do Séc. XIX e início do Séc. XX, incluindo conceitos e práticas relacionados ao Diabo, influenciou a formação da Quimbanda. Enquanto a Umbanda buscava legitimidade social ao se distanciar das práticas fetichistas africanas, a Quimbanda abraçou esses elementos, incluindo aqueles relacionados à demonologia e à magia diabólica encontrados em grimórios europeus como o Grimorium Verum.

 

A relação entre a Quimbanda e o Grimorium Verum destaca a natureza complexa e sincrética da Quimbanda, mostrando como ela se adaptou e integrou elementos de diversas tradições culturais e mágicas para criar uma forma única e poderosa de magia brasileira.

 

SIGNIFICADO DO GRIMORIUM VERUM NA QUIMBANDA

 

O Grimorium Verum, um grimório do Séc. XVIII sobre magia demonológica e pactos diabólicos, desempenha um papel significativo na Quimbanda. Ele é um texto-chave para compreender o desenvolvimento histórico, a demonologia e as práticas mágicas dessa tradição afro-brasileira.

 

Aluízio Fontenelle, uma figura central na Quimbanda como seu sintetizador fundante, é reconhecido por ter integrado o Grimorium Verum à Macumba, a partir daí chamada de Quimbanda, durante meados do Séc. XX, considerado o segundo momento no desenvolvimento da Quimbanda no Brasil. A síntese de Fontenelle associou os Exus, os espíritos do coração da Quimbanda, aos demônios descritos no Grimorium Verum. Essa associação moldou a compreensão dos Exus como intermediários poderosos que podem ser invocados para assistência mágica. A influência do Verum na Quimbanda consiste de:

 

Demonologia: A demonologia detalhada do Grimorium Verum informou a categorização e compreensão dos espíritos dentro da Quimbanda. Por exemplo, demônios específicos do Grimorium Verum são frequentemente vinculados a Exus particulares, estabelecendo uma conexão entre as tradições demonológicas europeias e o panteão afro-brasileiro.

 

Pactos e Ofertas: O Grimorium Verum fornece instruções para a realização de pactos com demônios e cita as oferendas apropriadas para garantir sua cooperação. Essa ênfase em pactos e ofertas também é central na Quimbanda, onde os praticantes realizam práticas semelhantes para assegurar a assistência de Exus e Pombagiras.

 

Práticas Mágicas: O Grimorium Verum contém rituais e fórmulas para trabalhar com demônios a fim de alcançar objetivos mágicos específicos. Algumas dessas práticas foram incorporadas à Quimbanda, adaptando técnicas mágicas europeias ao contexto brasileiro.

 

Simbolismo e Imagética: O Grimorium Verum apresenta símbolos e sigilos associados a demônios específicos, que foram incorporados na Quimbanda. Esses símbolos tornaram-se representações emblemáticas de Exu na Quimbanda, mesclando a imagética ocultista europeia com as práticas espirituais afro-brasileiras.

 

O Grimorium Verum, junto com O Livro de São Cipriano, é considerado fundamental na formação da imagética diabólica que caracteriza a Quimbanda. A integração desses grimórios europeus, que enfatizam o poder dos demônios e os pactos diabólicos, contribuiu para o desenvolvimento da Quimbanda como uma forma de goécia nigromântica brasileira.

 

O Grimorium Verum, apesar de suas origens europeias, ressoa com práticas e conceitos encontrados em outras tradições mágicas ao redor do mundo, incluindo tradições africanas e indígenas. Isso sugere que o Grimorium Verum, além de contribuir para a fusão única de elementos europeus e afro-brasileiros na Quimbanda, também reforça a natureza universal de certas técnicas e princípios mágicos.

 

A integração do Grimorium Verum por Fontenelle foi um esforço deliberado para afirmar uma ancestralidade europeia dentro da Quimbanda, especialmente em um período em que a Umbanda buscava legitimidade social ao distanciar-se de suas raízes africanas. Ao incorporar o Grimorium Verum, Fontenelle ajudou a estabelecer a Quimbanda como uma tradição distinta que abraçava elementos tanto da magia europeia quanto africana, criando um sistema ao mesmo tempo poderoso e subversivo.

 

A presença do Grimorium Verum dentro da Quimbanda demonstra a natureza sincrética da tradição, sua capacidade de adaptar e integrar elementos de diversos sistemas mágicos, e sua disposição para abraçar o poder do reino sublunar e seus espíritos.

 

AS CONTRIBUIÇÕES DE ALUÍZIO FONTENELLE PARA A QUIMBANDA

 

Aluízio Fontenelle (1913-1952) é reconhecido como uma figura fundamental na evolução da Quimbanda, especialmente durante o segundo momento de desenvolvimento da tradição, em meados do Séc. XX. Seu trabalho destaca a influência do Grimorium Verum na formação das práticas, da demonologia e da posição social da Quimbanda dentro da sociedade brasileira. Aqui está um resumo de suas contribuições específicas:

 

Integração do Grimorium Verum: Fontenelle é creditado por formalmente introduzir e integrar o Grimorium Verum nas práticas da Quimbanda. Esse grimório do Séc. XVIII de magia demonológica forneceu uma estrutura para compreender os espíritos da Quimbanda sob uma perspectiva da demonologia europeia.

 

Sincretismo entre Exus e demônios: A síntese de Fontenelle envolveu a associação de Exus específicos, espíritos centrais da Quimbanda, com demônios do Grimorium Verum. Essa fusão das tradições africanas e europeias redefiniu a natureza dos Exus, dotando-os de características e poderes associados à demonologia europeia. Esse sincretismo contribuiu para uma imagem mais diabólica na Quimbanda, distinguindo-a da Umbanda, que buscava se distanciar de tais associações.

 

Estabelecimento de Reinos: Os escritos de Fontenelle introduziram o conceito de reinos na Quimbanda, propondo inicialmente o Reino das Encruzilhadas e o Reino dos Cemitérios. Essa estrutura proporcionou um sistema organizado para classificar e entender os diversos espíritos da Quimbanda e seus domínios de influência, marcando uma mudança em relação ao conceito anterior de linhas de trabalho usado na Umbanda e na Macumba.

 

Codificação de Símbolos e Iconografia: Fontenelle é creditado por codificar símbolos essenciais e estabelecer uma iconografia distinta para a Quimbanda. Ele utilizou amplamente o Ocultismo europeu, particularmente as obras de Eliphas Levi, um proeminente ocultista francês do Séc. XIX. Fontenelle adotou os conceitos de Levi da Luz Astral do Agente Mágico Universal, vinculando-o às ações e ao poder dos Exus. Ele também popularizou a imagem de Baphomet como um ícone central na Quimbanda, representando o Chefe do Império Imperial ou o Diabo.

 

Posicionamento da Quimbanda no Esoterismo Ocidental: O trabalho de Fontenelle colocou a Quimbanda firmemente no contexto do esoterismo ocidental e do Ocultismo moderno. Ao incorporar conceitos do Ocultismo europeu e da tradição dos grimórios, ele elevou a Quimbanda além de suas raízes afro-brasileiras, apresentando-a como um sistema sofisticado de magia que ressoava com correntes ocultas mais amplas. Esse movimento alinhou a Quimbanda a tradições esotéricas, contribuindo para seu reconhecimento como uma força poderosa no Ocultismo contemporâneo.

 

As contribuições de Fontenelle foram moldadas pelo clima sociopolítico de sua época. Durante a metade do Séc. XX a Umbanda buscava aceitação social ao se distanciar dos elementos fetichistas africanos, como o sacrifício animal e o uso de talismãs, considerados primitivos. A Quimbanda, em contraste, abraçou essas práticas e, através da síntese de Fontenelle, integrou as tradições dos grimórios europeus, solidificando ainda mais sua identidade distinta.

 

Ao enfatizar uma ancestralidade europeia dentro da Quimbanda, particularmente em uma época em que as tradições afro-brasileiras enfrentavam pressões sociais para se conformar, Fontenelle contribuiu para o desenvolvimento de um sistema que era ao mesmo tempo poderoso e resistente à assimilação. Seu trabalho lançou as bases para a evolução da Quimbanda como uma forma potente de goécia brasileira, incorporando a demonologia, as práticas de pactos e o simbolismo do Grimorium Verum, e posicionando firmemente a Quimbanda no cenário mais amplo do Ocultismo moderno.

 



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