Por Táta Nganga Kamuxinzela
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Este é um livro de Ocultismo. Ele foi escrito por um ocultista para leitores ocultistas. O Ocultismo pode ser definido como um campo de práticas, conhecimentos e sistemas de crenças que se dedicam à exploração dos mistérios ocultos da natureza e do Cosmos, das forças invisíveis e das relações que se estabelecem entre o mundo físico e o mundo dos espíritos. Derivado do termo latino occultus, que significa escondido ou secreto, o Ocultismo transcende a mera especulação metafísica, sendo intrinsecamente prático e experimental. Ele inclui um vasto espectro de disciplinas como magia, alquimia, astrologia, divinação, cabalá e, frequentemente é associado a tradições esotéricas ocidentais, mas também dialogando com práticas de culturas não ocidentais.
O ocultista, por sua vez, é o praticante ou estudioso do Ocultismo. Ele se dedica não apenas a aprender as teorias por trás dos mistérios, mas também a aplicá-las por meio de rituais, meditações e técnicas específicas que visam dominar as forças invisíveis e explorar os limites do potencial humano. O ocultista atua como um intermediário entre o visível e o invisível, buscando tanto o autoconhecimento quanto a transformação do mundo ao seu redor.
Historicamente, o Ocultismo tem raízes na filosofia oculta renascentista de pensadores como Cornélio Agrippa (1486-1535),[1] que concebeu um sistema abrangente de conhecimentos esotéricos baseado em magia, astrologia e alquimia. Ele propôs que essas práticas não eram meramente supersticiosas, mas partes integrantes de uma prisca theologia – uma teologia antiga que conectava o homem ao Cosmos por meio de uma compreensão profunda das forças ocultas.
No Séc. XIX o Ocultismo passou por uma transformação significativa com o renascer da magia[2] na Europa, impulsionado por figuras como Eliphas Levi (1810-1875),[3] Helena Blavatsky (1831-1891)[4] e Papus (1865-1916).[5] Esse período marcou a fusão de tradições antigas com um novo paradigma, mais alinhado às sensibilidades modernas e à busca de um sistema unificado de magia e espiritualidade. O termo Ocultismo foi amplamente popularizado nesse contexto para descrever práticas que, embora enraizadas no passado, foram reinterpretadas à luz de novas perspectivas culturais e intelectuais.
O Ocultismo, como prática, busca compreender e manipular as forças invisíveis que permeiam a realidade. Suas principais áreas incluem:
Magia Cerimonial: Uso de rituais e símbolos para invocar ou manipular forças espirituais.
Alquimia: A busca pela transformação espiritual e material, simbolizada pela transmutação do chumbo em ouro.
Astrologia: Estudo das influências celestiais sobre os eventos terrestres.
Divinação: Métodos como tarot, runas e geomancia para acessar conhecimentos ocultos.
Necromancia: Conexão com os mortos para obter sabedoria ou assistência espiritual.
Os objetivos do Ocultismo variam, mas geralmente incluem o autoconhecimento, a transcendência espiritual ou deificação da alma, a manipulação concreta dos eventos que encadeiam a Realidade e a conexão com o Sagrado.
No Brasil, a Quimbanda emerge como uma expressão singular do Ocultismo, integrando elementos das tradições afro-brasileiras com influências esotéricas europeias. Essa fusão é particularmente visível no uso de grimórios como o Grimorium Verum e na adoção de práticas que dialogam com a magia cerimonial e o hermeticismo.[6]
A Quimbanda preserva aspectos ctônicos e necromânticos, enfatizando a interação com espíritos ancestrais e forças naturais. Sua conexão com o Ocultismo se manifesta na estrutura ritualística, no uso de símbolos como o Tridente de Paracelso[7] e no conceito de manipulação de energias invisíveis para fins específicos, seja proteção, transformação ou ataque.
Na era contemporânea, o Ocultismo transcendeu os círculos restritos das ordens esotéricas para se tornar um fenômeno cultural mais amplo. Ele se manifesta em práticas populares, como o uso de cristais, astrologia e magia do caos, bem como na ressignificação do sagrado por meio de movimentos espirituais emergentes.
O Ocultismo pós-moderno se caracteriza pela integração de tradições antigas com novas tecnologias e paradigmas culturais, incluindo a influência da psicologia e das ciências sociais. Ele desafia as dicotomias entre ciência e espiritualidade, oferecendo uma visão de mundo que valoriza o mistério, a subjetividade e a experiência direta do transcendente.
O Ocultismo e o ocultista representam uma busca contínua pelo entendimento dos mistérios que ultrapassam os limites do mundo visível. Em diálogo com tradições ancestrais e adaptado às demandas de cada época, o Ocultismo permanece como um campo dinâmico de exploração espiritual e prática mágica. Seja no contexto clássico dos grimórios ou na inovação ritualística da Quimbanda, ele reafirma a conexão profunda entre o humano e o sagrado, revelando que o mistério é uma força viva, sempre presente e sempre pronta para ser desvendada.
NOTAS:
[1] Cornélio Agrippa foi um filósofo, médico, alquimista, astrólogo e mago renascentista alemão, amplamente reconhecido como uma das figuras mais influentes do esoterismo ocidental. Nascido em 14 de setembro de 1486, em Nettesheim, ele é mais conhecido por sua obra monumental Três Livros de Filosofia Oculta (De Occulta Philosophia), publicada em 1533, que sintetiza conhecimentos de magia, astrologia e alquimia, além de estabelecer a base para a filosofia oculta renascentista. Profundamente influenciado pelo platonismo teúrgico, hermetismo e pela cabalá cristã, Agrippa buscou restaurar a antiga prisca theologia, ou teologia primordial, conectando o ser humano ao Cosmos por meio de práticas mágicas e espirituais. Ele viveu uma vida inquieta, marcada por viagens pela Europa, onde serviu como conselheiro de nobres e realeza, e enfrentou perseguições por suas ideias controversas. Faleceu em 18 de fevereiro de 1535, em Grenoble, França, deixando um legado que continua a inspirar estudiosos e ocultistas até hoje.
[2] Veja Fernando Liguori. Daemonium: a Quimbanda & a Nova Síntese da Magia e Wanga: o Segredo do Diabo. Clube de Autores, 2024.
[3] Eliphas Levi, nascido Alphonse Louis Constant em 8 de fevereiro de 1810, em Paris, França, foi um mago, ocultista e escritor, amplamente reconhecido como um dos principais arquitetos do renascer da magia no Ocidente no Séc. XIX. Ordenado diácono na Igreja Católica, abandonou o sacerdócio em busca de uma vocação mais alinhada às suas aspirações filosóficas e espirituais. Sua obra mais célebre, Dogma e Ritual de Alta Magia (1854-1856), introduziu conceitos fundamentais que moldaram o Ocultismo moderno, incluindo a iconografia do Baphomet e a reconciliação entre ciência, religião e magia. Levi combinou elementos da cabalá, hermetismo e alquimia com sua própria filosofia espiritual, influenciando figuras como Aleister Crowley (1875-1947) e as tradições ocultistas posteriores. Ele faleceu em 31 de maio de 1875, em Paris, deixando um legado imensurável para o esoterismo ocidental e as práticas mágicas contemporâneas.
[4] Helena Petrovna Blavatsky foi uma filósofa, mística e escritora russa, conhecida como uma das fundadoras da Sociedade Teosófica e figura central no renascer da magia no Séc. XIX. Nascida em 12 de agosto de 1831, em Ekaterinoslav, no Império Russo (atual Dnipro, Ucrânia), Blavatsky dedicou sua vida ao estudo e à integração das tradições espirituais do Oriente e do Ocidente. Sua obra mais influente, A Doutrina Secreta (1888), apresenta uma visão sincrética da espiritualidade universal, baseada em textos antigos e em revelações que ela alegava ter recebido de Mestres Espirituais. Blavatsky também escreveu Ísis Sem Véu (1877), que desafiava o materialismo científico e o dogmatismo religioso de sua época. Figura controversa, foi tanto admirada por suas ideias revolucionárias quanto criticada por acusações de charlatanismo. Faleceu em 8 de maio de 1891, em Londres, deixando um impacto duradouro no Ocultismo moderno e nas tradições esotéricas contemporâneas.
[5] Papus, pseudônimo de Gérard Anaclet Vincent Encausse, foi um médico, ocultista e escritor francês, amplamente reconhecido como uma figura central no Ocultismo do final do Séc. XIX e início do XX. Nascido em 13 de julho de 1865, em Corunha, Espanha, e criado em Paris, ele se destacou como um prolífico autor e divulgador de temas relacionados à cabalá, alquimia, tarot e teurgia. Fundador da Ordem Martinista, buscava reviver e expandir as tradições místicas e ocultas com base nos ensinamentos de Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803). Sua obra mais influente, O Tarot dos Boêmios (1889), conectou o tarot à cabalá e ao hermetismo moderno, consolidando-o como ferramenta esotérica. Conhecido como o Papa do Ocultismo, Papus exerceu grande influência sobre ordens esotéricas e sociedades secretas, como a Ordem Hermética da Aurora Dourada. Faleceu em 25 de outubro de 1916, em Paris, durante a Primeira Guerra Mundial, após ter servido como médico militar, deixando um legado profundo no Ocultismo moderno.
[6] Aqui é importante destacar a diferença entre hermetismo e hermeticismo. O hermetismo refere-se ao conjunto de textos filosófico-religiosos atribuídos a Hermes Trismegisto, um arquétipo sincrético que combina características do deus grego Hermes e do deus egípcio Thoth. Esses textos, conhecidos como Hermética, surgiram no contexto do Egito helenístico, particularmente nos primeiros séculos da era cristã. Eles abordam questões metafísicas, cosmológicas, e espirituais, com foco na relação entre o humano e o divino, a busca pelo conhecimento (gnōsis) e a ascensão espiritual. O hermetismo é, assim, uma corrente de pensamento religiosa e filosófica, profundamente enraizada no sincretismo cultural e espiritual da Antiguidade.
O hermeticismo, por outro lado, refere-se à recepção, interpretação e desenvolvimento das ideias herméticas em contextos históricos posteriores, particularmente na Renascença e nos períodos subsequentes. Durante o Renascimento, pensadores como Marsilio Ficino (1433-1499)* e Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494)** redescobriram os textos herméticos, incorporando-os à tradição esotérica europeia e associando-os a disciplinas como alquimia, astrologia e magia. O hermeticismo é, portanto, a releitura e reinvenção do hermetismo, frequentemente mesclado com outros sistemas de pensamento esotérico, como o platonismo místico e teúrgico, o cabalismo e as tradições alquímicas medievais.
A diferença central está no contexto e no desenvolvimento histórico. O hermetismo é um fenômeno específico da Antiguidade tardia, relacionado aos textos herméticos e à sua cosmovisão original, enquanto o hermeticismo é uma construção histórica posterior, moldada por diferentes períodos, culturas e interesses esotéricos. O hermeticismo renascentista, por exemplo, não reflete fielmente o conteúdo do Corpus Hermeticum, mas adapta suas ideias à luz de outras tradições filosófico-religiosas. Essa distinção é essencial para entender como o legado hermético foi reinterpretado ao longo dos séculos, ganhando novos significados e aplicações em diferentes contextos culturais e espirituais. A Quimbanda, como veremos, foi profundamente influenciada pelo hermeticismo que chegou ao Brasil por meio do Ocultismo francês.
* Marsilio Ficino foi um filósofo, médico e tradutor italiano do Renascimento, amplamente reconhecido como um dos principais responsáveis pela revivificação do platonismo na Europa Ocidental. Nascido em Figline Valdarno, perto de Florença, em 19 de outubro de 1433, Ficino foi protegido pela família Medici, que apoiou suas traduções e comentários das obras de Platão e de autores platônicos. Sua tradução do Corpus Hermeticum e de textos platônicos para o latim foi fundamental para integrar essas tradições ao humanismo renascentista. Ficino também desenvolveu a filosofia da alma cósmica e a música como cura espiritual, destacando o papel da harmonia universal. Ele faleceu em Florença, em 1º de outubro de 1499, deixando um legado duradouro na filosofia, esoterismo e teologia ocidentais.
** Giovanni Pico della Mirandola foi um filósofo, teólogo e humanista italiano, uma figura central do Renascimento e um dos pioneiros do sincretismo religioso e filosófico. Nascido em 24 de fevereiro de 1463 no condado de Mirandola, Pico destacou-se por sua vasta erudição e ambição intelectual, buscando reconciliar diversas tradições filosóficas e religiosas, incluindo o platonismo, o aristotelismo, o hermetismo, o cristianismo e a cabalá judaica. Sua obra mais famosa, a Oração sobre a Dignidade do Homem, é considerada o manifesto do Renascimento, celebrando a capacidade humana de transcender sua condição através do livre-arbítrio e da busca pelo divino. Em 1486, ele propôs debater 900 teses abrangendo temas filosóficos e teológicos, mas enfrentou a censura da Igreja. Pico morreu prematuramente em 17 de novembro de 1494, em Florença, sob circunstâncias misteriosas, mas seu legado influenciou profundamente o pensamento renascentista e o esoterismo ocidental.
[7] O Tridente de Paracelso é um símbolo esotérico associado à tradição alquímica e mágica, sendo um emblema central na obra e pensamento do médico e alquimista suíço Paracelso (1493–1541). Representando a união de forças cósmicas e terrestres, o tridente simboliza o poder da vontade humana canalizada através da magia e da alquimia. Cada uma das três pontas do tridente é vista como uma representação das três substâncias primordiais da alquimia: enxofre (a alma), mercúrio (o espírito) e sal (o corpo), compondo a Trindade Filosófica. No contexto mágico, o Tridente de Paracelso é uma chave simbólica para invocar e manipular forças ocultas, unindo os elementos espirituais e materiais em um ponto de convergência. Ele também é reinterpretado na tradição ocultista moderna, como por Eliphas Levi e outros, adquirindo significados adicionais relacionados à manifestação da vontade e à interação com o divino, sendo incorporado a sistemas como o da Quimbanda, onde simboliza a atuação de Exu e sua força mágica no plano material.
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